Não façam manifs, façam filhos
Henrique Raposo
Público, Segunda feira, 23 de setembro de 2013
A negação ou denial, se quisermos ser finos, é aquilo que define Portugal em 2013. Despreza-se a realidade com gosto. Segue-se com fanatismo um ditado já antigo, antes errado com Sartre do que certo com Aron. Não, não estou a falar de choques entre diferentes percepções da realidade. Quem me dera. Quem me dera que existissem diferentes percepções dos problemas que acorrentam Portugal ao fundo. Infelizmente só temos o choque entre quem percepciona a realidade e quem recusa olhar para a realidade. No fundo, o nosso debate político é uma réplica dos nossos debates históricos: um sujeito chega, vê e aponta para o elefante azul que está mesmo no centro da sala. Na resposta, a maioria das pessoas fica indignada; têm o elefante ao colo, mas dizem que não com a cabeça, não, senhor, não está aqui nenhum elefante, a sala está perfeita, você é que é um ser pérfido, isto é, salazarista, fascista, neoliberal, reaccionário (escolher consoante a estação).
O exemplo maior deste estado de negação está na demografia. Portugal atravessa neste momento um inverno demográfico, que será ainda mais rigoroso no futuro próximo. É um problema insofismável, é um facto indesmentível, mas curiosamente não encaixa na maioria das discussões. Olhemos, por exemplo, para a questão dos professores. Os jornais destacam "menos x milhares de professores contratados" e colocam esse título dentro da narrativa do "ataque neoliberal ao estado social". Mas o que devia inquietar as almas caridosas está noutro lado: temos menos x milhares de alunos e esse número continuará a descer, porque temos cada vez menos bebés. Num cenário marcado pela diminuição de alunos, podemos contratar o mesmo número de professores? Claro que não. Seria um absurdo, mas é esse absurdo que domina a atmosfera política e mediática. No meio da berraria, ninguém parece interessado no elefante que está sentadinho na mesa de jantar: Portugal tem uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo.
O mesmo se passa na questão da segurança social. Os cortes nas reformas são inevitáveis porque o rácio entre trabalhadores e reformados está em 1,56/1, com tendência para piorar. Ora, para ser sustentável e justo entre gerações, este sistema de segurança social precisa de um pressuposto: o número de idosos tem de ser muitíssimo inferior ao número de jovens, isto é, este sistema colectivo só funciona com uma pirâmide demográfica. Problema? Nós vamos a caminho da pirâmide demográfica invertida. Portanto, qualquer debate sério sobre os cortes nas pensões tem de olhar para esta inversão de 180 graus da realidade demográfica. Podem dizer que o elefante não é azul mas sim vermelho, mas têm de reconhecer a existência do elefante.
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