Em defesa dos partidos e das eleições autárquicas
Na semana passada, em Varsóvia, no Colégio da Europa, iniciei o meu curso semestral sobre as ideias políticas do século XX europeu. Começamos sempre pelos críticos da troca livre e da democracia pluripartidária, três deles vindos do século XIX: Friedrich List, o mais moderado, ainda que severo crítico do comércio livre e de Adam Smith, depois Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Carl Schmitt, com uma breve referência a Lenine. Todos os anos relemos alguns textos destes autores e ponderamos seriamente os seus argumentos.
O que existe de comum entre todos eles? Uma forte animosidade contra a variedade tranquila, o pluralismo de opiniões e interesses, a legítima ambição do homem comum pela melhoria da sua condição e da sua família. Em suma, eles não se sentiam confortáveis com o século XIX, dominado pelas ideias democráticas, liberais, pluralistas, empreendedoras, igualitárias e conservadoras da Inglaterra vitoriana e da sua força naval - que, a propósito, simplesmente aboliu o comércio de escravos. Quando conhecemos, retrospectivamente, aquilo que provocou no século XX essa animosidade contra a Inglaterra (e depois a América, e depois os judeus), é difícil manter a compostura.
O autor mais peculiar é talvez Carl Schmitt. O seu principal inimigo, o pluralismo, materializa-se naquilo que designa por "egoísmo dos partidos políticos". Ele não gostava do pluralismo partidário porque isso impedia a criação da "vontade única do Estado". Via nos partidos e nos parlamentos uma fonte de divisão da "vontade única do Estado". Mas nunca explicou porque precisávamos de uma vontade única. Obviamente, ele ignorava que fora um grande conservador liberal, o irlandês Edmund Burke, quem primeiro teorizou a necessidade de partidos políticos como forma de controlar e limitar a vontade única do Estado - que, na linguagem terra a terra dos ingleses, queria dizer, no século XVIII, a vontade única do rei e do seu governo de corte, promotores do "despotismo da inovação" e não responsáveis perante o Parlamento (Burke, no entanto, era monárquico, convém não esquecer).
Vem tudo isto a propósito das eleições autárquicas do próximo fim-de-semana, em Portugal, e do crescente clima anti-partidos que se vive entre nós. É um clima malsão, embora seguramente involuntário e possivelmente gerado por motivos legítimos. Mas deve ser combatido.
Em Cascais, onde eu voto, as coisas atingiram já um ponto excessivo. Uma respeitável candidata independente anuncia-se Por Cascais. Sem Partidos, e parece que tem o apoio de um antigo presidente da câmara, António Capucho. Tenho de pedir desculpa: sem partidos? Bem, nós já vivemos sem partidos durante 48 anos, e eu não me lembro que fosse muito excitante. Agora queremos voltar a viver sem partidos? Ainda por cima em Cascais, onde sempre tivemos exilados de regimes sem partidos?
O nobre Partido Socialista - cujo fundador, Mário Soares, foi o grande defensor, com Sá Carneiro, do pluripartidariamo contra os maçadores autoritários Salazar, Caetano e Cunhal - apresenta em Cascais um respeitável candidato independente. Até aí tudo bem. Mas a grande proposta deste candidato, que me dizem ter o apoio de Ramalho Eanes, é a criação de uma espécie de assembleia corporativa local - que ele diz irá reunir as associações da sociedade civil. Isto realmente seria peculiar: a definição da sociedade civil é a sua independência do poder político. E realmente parece de mau gosto um "independente" propor uma assembleia corporativa à margem dos partidos e dos eleitos pelos cidadãos. Também já tivemos uma Câmara Corporativa no passado com o já referido maçador autoritário, e independente dos partidos, Oliveira Salazar. Vamos ter esta retórica outra vez? E em nome do Partido Socialista?
As ideias têm consequências. Toda esta retórica que anda por aí contra os partidos políticos é simplesmente de mau gosto (e eu não sou de nenhum partido). Nós precisamos de partidos políticos para ter sempre um governo e uma oposição. Só desta forma é possível limitar e chamar à responsabilidade os que governam. Tudo o resto são fantasias de quem não conhece as tradições livres e realmente não sente apego ou curiosidade pelas experiências de liberdade.
Devemos abrir mais os partidos à concorrência, é certo. Seria bom ter um método eleitoral que permitisse escolher candidatos, mais do que as listas em que concorrem. É bom ter a possibilidade de listas independentes dos partidos. É muito importante defender a autonomia da sociedade civil e da economia privada relativamente ao poder político, incluindo o autárquico. É crucial limitar o controlo dos partidos sobre a vida civil e o resultante carreirismo partidário. Mas ser contra os partidos? Isso seria o fim das eleições livres. Não é seguramente isso que nós queremos.
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