Muitos filhos, poucos netos

Inês Teotónio Pereira
Ionline, 2013-09-22

Os meus filhos passaram a achar que a minha vida não é fácil. E já não olham para mim da mesma forma que a CGTP olha para qualquer governo

Os meus filhos andam com pena de mim. Descobri isso há pouco tempo. Eles olham para mim com pena e até com alguma condescendência. Sinto--me o Sporting na altura do Natal. Todos os dias eles me perguntam se dormi bem, se estou bem-disposta ou se preciso de ajuda. É estranho. Quando isto começou, achei que tinham batido com a cabeça em algum lado e que esta era mais uma fase passageira. Mas não. Eles estão mesmo com pena de mim. E este sentimento enraizou. O socialismo deles está notoriamente a passar - pelo menos na parte que diz respeito à indiferença pelos deveres e à reivindicação de direitos (sempre tive a convicção de que o socialismo acabava por passar com a idade).
De repente - e foi mesmo de um dia para o outro - os meus filhos passaram a achar que a minha vida não é fácil. Que ser mãe deles seis não é tarefa fácil. E já não olham para mim da mesma forma que a CGTP olha para qualquer governo, com o objectivo único de contestar e de lutar. Nada disso. Eu sou hoje um governo querido dos meus filhos. Se houvesse eleições familiares, atingiria facilmente a unanimidade. O facto de o novo bebé ter um choro parecido com o alarme de um carro e de mal dormir, obviamente que ajudou a despertar a sensibilidade dos meus filhos: agora estamos todos unidos a lutar contra o choro do bebé. Somos nós contra ele. E estamos claramente a perder. Mas a luta já não é comigo.
No entanto, esta tomada de consciência do trabalho que dá ter filhos tem consequências nefastas no que diz respeito aos projectos que os meus filhos estão a fazer para o futuro. A minha filha, por exemplo, diz que nunca irá sair de casa. Diz ela que, se ficar a viver em casa dos pais, não gasta muito dinheiro. Já me perguntou se pode. No outro dia, também me perguntou se pode não casar. Ela não quer casar porque, e cito: "Não quero ter muito trabalho a tomar conta dos filhos e a fazer o jantar. E ter filhos deve doer imenso?" Assim, sozinha, é tudo mais calmo, mais poupadinho e sem dor.
Outro dos meus filhos pergunta-me todos os dias se ter filhos dá muito trabalho. E pergunta sempre nas alturas mais críticas do dia. Quando o trabalho está ao rubro. Eu digo que dá algum, mas que compensa. Só que ele não está convencido e não desenvolve muito o tema. No seu entender, para filhos, basta ele.
O mais radical deles todos vai ainda mais longe: diz ele que vai casar para ter filhos, mas é só para ter filhos; depois divorcia-se, compra dois Porches e vai visitar os filhos todos os dias. Mas chega. Não quer muito mais trabalho do que isto. Nas contas que ele já fez à vida, Porches e filhos não cabem na mesma casa. E como está convicto de que basta sair de casa para não ter de sustentar os filhos, pretende escolher os Porches.
Já o mais velho tem como projecto de vida viajar pelo mundo inteiro. Diz que quer "ver o mundo, por isso, não posso ter uma família? Não dá para levar a família a percorrer o mundo inteiro". Não é conciliável, argumenta.
Tenho ainda outro filho que não se pronuncia sobre este assunto. Quanto ao bebé, vai chorando.
Moral da história: muitos filhos, poucos netos.

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