O pobre Lázaro, o rico e a (in)justa distribuição da riqueza

Não se trata apenas de vencer a fome, nem tampouco de afastar a pobreza. O combate contra a miséria, embora urgente e necessário, não é suficiente. Trata-se de construir um mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal domada; um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vã e em que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico. Isto exige, da parte deste último, grande generosidade, muitos sacrifícios e esforço contínuo.
Compete a cada um examinar a própria consciência, que agora fala com voz nova para a nossa época. Estará o rico pronto a dar do seu dinheiro, para sustentar as obras e missões organizadas em favor dos mais pobres? Estará disposto a pagar mais impostos, para que os poderes públicos intensifiquem os esforços pelo desenvolvimento? A comprar mais caro os produtos importados, para remunerar com maior justiça o produtor? E, se é jovem, a deixar a pátria, sendo necessário, para ir levar ajuda ao crescimento das nações novas?
Paulo VI, encíclica "Populorum progressio".
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas. Bem desejava ele saciar-se do que caía da mesa do rico (Lucas (Lc 16, 19 ss.). Tanto o rico, como o mendigo, morreram e foram ambos levados diante de Abraão; a sentença foi dada conforme se comportara cada um. A Sagrada Escritura diz-nos que Lázaro encontrou consolação, ao passo que o rico encontrou tormento.
Foi condenado o rico acaso porque foi rico, porque teve na terra abundantes propriedades, porque "se vestia de púrpura e linho fino e vivia os dias regalada e esplendidamente"? Não, diria que não o foi por este motivo. O rico foi condenado porque não prestou atenção ao outro homem. Porque se descuidou em informar-se sobre Lázaro, a pessoa que jazia sua porta, desejosa de saciar-se do que caía da mesa.
Cristo não condena nunca a posse pura e simples dos bens materiais. Mas pronuncia palavras muito severas contra os que usam dos seus bens materiais de modo egoísta, sem atenderem às necessidades dos outros. O Sermão da Montanha começa com as palavras: "Bem-aventurados os pobres de espírito". E, no termo do balanço do juízo final, como se lê no Evangelho de São Mateus, Jesus diz as palavras que bem conhecemos: Tive fome e não Me destes de comer, tive sede e não Me destes de beber; era peregrino e não Me recolhestes; estava nu e não Me vestistes; enfermo e na prisão, e não fostes visitar-Me(Mateus 25, 42-43).
A parábola do rico e de Lázaro deve estar continuamente presente na nossa memória; deve formar a nossa consciência. Cristo pede que sejamos abertos aos nossos irmãos e às nossas irmãs que estão em necessidade: pede aos ricos, aos de boa posição, aos que se encontram economicamente beneficiados, que sejam abertos aos pobres, aos subdesenvolvidos e aos prejudicados. Cristo reclama uma abertura que é mais que atenção benévola, mais que atos simbólicos ou de ativismo desprendido, mas que deixam o pobre, indigente como antes, se não mais ainda.
Toda a humanidade deve pensar na parábola do rico e do mendigo. A humanidade deve traduzi-la em termos contemporâneos, em termos de economia e de política, em termos de todos os direitos humanos, em termos de relações entre o "Primeiro", o "Segundo" e o "Terceiro Mundo". Não podemos estar ociosos, enquanto milhares de seres humanos morrem de fome. Nem podemos ficar indiferentes, enquanto os direitos do espírito humano são espezinhadas, enquanto se faz violência à consciência humana em matéria de verdade, de religião e de criatividade cultural.
Não podemos estar ociosos alegrando-nos com as nossas riquezas e a nossa liberdade, se, em qualquer lado, o Lázaro do século XX jaz à nossa porta. A luz da parábola de Cristo, a riqueza e a liberdade trazem especial responsabilidade. A riqueza e a liberdade criam especial obrigação. E assim, em nome da solidariedade que nos une, todos simultaneamente, numa comum humanidade, proclamo de novo a dignidade de cada pessoa humana: o rico e Lázaro são ambos seres humanos, ambos criados à imagem e semelhança de Deus, ambos igualmente remidos por Cristo a alto preço, ao preço do sangue precioso de Cristo (1 Pedro 1, 19).
João Paulo II

Todos os homens são chamados a participar no banquete dos bens da vida, e todavia tantos encontram-se ainda fora da porta, como Lázaro, enquanto "os cães iam lamber-lhe as feridas" (Lc16, 11).
Se ignorássemos a multidão imensa de pessoas humanas que não só estão privadas do estrito necessário para viver (alimento, casa, assistência médica) mas que não têm sequer a esperança num futuro melhor, tornar-nos-íamos como o rico opulento que finge não ver o pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31).
João Paulo II

O meu venerável predecessor, o Beato João XXIII, gostava de dizer que a Igreja é de todos, mas de maneira especial dos pobres, fazendo como que um eco da bem-aventurança evangélica: "Bem-aventurados os pobres, porque o Reino de Deus lhes pertence" (Lc 6, 20).
O Reino de Deus pertence aos pobres que, segundo alguns Padres, podem ser nossos advogados junto de Deus. Por exemplo, comentando a parábola do rico epulão e do pobre Lázaro, São Gregório Magno escreve: 
"Todos os dias podemos encontrar Lázaro, se o procurarmos, e todos os dias nos deparamos com ele, mesmo sem o procurar. Os pobres apresentam-se-nos inclusivamente de maneira inoportuna e fazem-nos pedidos, eles que poderão interceder por nós no último dia... Estai conscientes, se é o caso de opor uma rejeição, visto que quem nos interpela são os nossos possíveis protetores. Portanto, não desperdiceis as ocasiões de agir com misericórdia".
João Paulo II

No Evangelho deste domingo (Lc 16, 19-31), Jesus narra a parábola do homem rico e do pobre Lázaro. O primeiro vive no luxo e no egoísmo, e quando morre, vai para o inferno. Ao contrário, o pobre, que se alimenta com as migalhas que caem da mesa do rico, quando morre é levado pelos anjos para a casa eterna de Deus e dos santos. «Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus» (Lc 6, 20).
Mas a mensagem da parábola vai além: recorda que, enquanto estivermos neste mundo, devemos ouvir o Senhor que nos fala mediante as sagradas Escrituras e viver segundo a sua vontade, caso contrário, depois da morte, será demasiado tarde para se corrigir.
Portanto, esta parábola diz-nos duas coisas: a primeira é que Deus ama os pobres e eleva-os da sua humilhação; a segunda é que o nosso destino eterno está condicionado pela nossa atitude, compete a nós seguir o caminho que Deus nos mostrou para alcançar a vida, e este caminho é o amor, entendido não como sentimento, mas como serviço aos outros, na caridade de Cristo.
Bento XVI

No mundo, muitas vezes deposita-se a confiança no dinheiro e é precisamente a este propósito que a liturgia propõe refletir sobre a parábola de Lázaro e do rico epulão.
A palavra que vence a classificação das conversações quotidianas das pessoas é a do dinheiro: porque têm demasiado, porque têm pouco ou porque não têm. Nem sequer Jesus evita este tema; hoje alerta contra os riscos que corre quem cede às lisonjas do deus-dinheiro. E fá-lo através de uma parábola diferente das outras, que poderia ser definida a "desforra dos pobres". É a narração do homem alegre, sem nome, e do mendigo, chamado Lázaro.
Costuma-se dividir a parábola em dois momentos: a cena do rico epulão e do mendigo Lázaro, "antes" e "depois" da morte. Com a inversão total das posições. Mas na realidade, a narração tem três núcleos, destinados a ressaltar os gravíssimos riscos da escravidão do deus-dinheiro.
O primeiro: a riqueza faz definhar a vida dos pobres.
O Evangelista Lucas descreve a figura do rico: cores vistosas, como a púrpura e o bisso de um monarca oriental, fechado no seu mundo dourado; ostentação de festas e mesas postas, apesar da miséria do mundo. Um homem sem nome. No entanto, o pobre Lázaro "jazia à sua porta, coberto de chagas" (Lucas (Lc) 16, 20); um verbo para dizer a sorte dramática de todos os infelizes do mundo. "À porta", para não incomodar a visão dos ricos. O pobre pedinte de migalhas só tem uma dignidade: o nome. Mas o contraste é árduo; os dois mundos são distintos; não olham um para o outro. A riqueza escava o primeiro abismo da vida: entre abastados e pobres.
Mas existe um segundo risco: a riqueza faz definhar a vida dos ricos.
A hora de prestar contas é a morte, como limiar de um mundo que se encontra "além". Lázaro é "levado" para o alto pelos anjos, ao seio de Abraão. Finalmente, o pobre entra na jubilosa comunhão do banquete messiânico; o rico, ao contrário, "foi sepultado... na morada dos mortos, achando-se em tormentos..." (Lc 16, 22-23).
À aspiração frustrada dos pobres durante a vida corresponde o desejo dramaticamente negado aos ricos, de acederem ao banquete messiânico: "Ai de vós, ricos, porque já dispondes da vossa consolação" (cf. Lc 6, 25).
Enfim, há um terceiro risco sério: a riqueza faz definhar a fé dos ricos.
Do abismo da sua infelicidade, o pobre epulão lança um brado desesperado: que pelo menos os seus irmãos sejam admoestados, a fim de que não lhes caiba a mesma sorte. Mas a lição de Jesus é clara e terrível. Não lhes é útil a palavra de um morto para mudar a vida. Para acreditar e para se converter, é suficiente a palavra dos profetas, a palavra de Deus. De resto, Jesus experimentou isto várias vezes: quanta dureza de coração e quanta insensibilidade, mesmo diante dos milagres.
Como se sabe, o apego tentacular à riqueza torna a consciência obtusa. Sob o poder do deus-dinheiro verificam-se dramáticas divisões familiares, desprezam-se os afetos mais queridos e os valores mais autênticos. O primeiro a pagar as consequências é Deus.
Contudo, há um valor que pode salvar a vida dos pobres e, contemporaneamente, a dos ricos: a solidariedade, que nasce de uma vida sóbria e gera uma vida sóbria.
Card. Tarcisio Bertone

© SNPC | 28.09.13

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