O PARQUE JURÁSSICO

Em Portugal, o despesismo do Estado central e o de todos os sub-sistemas da administração pública partia de um pressuposto: um dia, alguém havia de pagar a despesa.

Esse "alguém" já não paga.

E salvo raras excepções, ninguém é tão perdulário na gestão do seu dinheiro e da sua casa.

As pessoas em geral, mormente em Portugal – um país com centenas de anos de organização – sabem sempre ao que andam.

Aproveitam oportunidades e dançam a dança ou jogam o jogo que se propõe no palco ou em campo.

A partida do "alguém há-de pagar" acabou de vez, felizmente.

O país inundado de dinheiro caro pago ao estrangeiro para consumo ao desbarato acabou de vez.

Felizmente.

Por isso que esta campanha autárquica anda tão frouxa e deprimente.

Já ninguém acredita que os problemas de Lisboa se resolvam com uma passagem subterrânea no Saldanha.

A gestão de Pedro Passos Coelho tem sido, assim, essencialmente, com os seus altos e baixos, uma gestão de reabilitação de boa dona de casa.

As atoardas dos demais agentes políticos e sindicais e os arrufos do Tribunal Constitucional soam aos gritos dos carteiristas apanhados em flagrante e denunciados no autocarro.

Engana-se quem pensa que o mundo acabou.

O mundo não acabou.

Mas o mundo mudou e Portugal também mudou.

Como sucedeu na idade glaciar, muitas espécies do nosso parque jurássico não estão preparadas para a mudança, não vão sobreviver e irão congelar.

Ainda bem.

Porque um país não é um fóssil, é uma realidade dinâmica.

E também há que tratar urgentemente da reconstituição moral de Portugal e da reconfiguração legal pós-fracturas socráticas.

Mas "Roma e Pavia, não se fizeram num dia".

 

Miguel Alvim

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