Emendar os erros

     Alexandre Homem Cristo
     Ionline 2013-09-09

Não é concebível que se gastem energia, recursos e capital social a discutir propostas legislativas que não estão conforme as normas constitucionais
O Tribunal Constitucional (TC) chumbou a proposta de lei da requalificação para os funcionários públicos, argumentando com o princípio da confiança e com a garantia da segurança no emprego - dois princípios que, na prática, são uma miragem no sector privado. É de facto uma pena que o TC só se lembre da equidade entre público e privado quando estão em causa os subsídios do público. Mas se muito já se escreveu acerca da decisão, importa reflectir igualmente sobre a actuação do governo.
1. É, no mínimo, difícil de aceitar uma decisão nestes termos. Afinal, significa a decisão que não é possível dispensar funcionários públicos cujo vínculo é anterior a 2009, aconteça o que acontecer e sejam eles necessários ou não? A questão surge inevitável do parecer do TC e é impossível preparar o futuro sem lhe dar resposta. E, aqui, importa ser claro. O problema que este parecer levanta para o futuro não é somente financeiro, no que respeita ao cumprimento dos nossos compromissos com a troika. O problema é, antes disso e sobretudo, uma questão de justiça e um dos pilares da reforma do Estado - que é o restaurar da igualdade entre funcionários públicos e funcionários privados, acabando com os privilégios que os primeiros usufruem há décadas (sendo que alguns desses privilégios têm mais anos do que o regime democrático).
Infelizmente, esta distinção não tem estado suficientemente presente no discurso do governo que, pelo contrário, tem realçado mais a urgência dos compromissos do que a justiça das reformas políticas. É, pois, um erro, na medida em que a distinção não é apenas uma questão de detalhe. Nela reside a diferença entre os sacrifícios valerem a pena porque nos ajudam a preparar o futuro e os sacrifícios servirem somente para que, em breve, possamos regressar aos vícios do passado. Não é um pormenor.
2. Sendo certo que a decisão do TC está perto de decretar inconstitucionais as necessidades reais do país, reconheçamos que, dado o histórico de decisões recentes dos seus juízes, a decisão não surpreende. Era, aliás, expectável. E isso torna a gestão política deste processo no governo inadmissível. Não é concebível que se gastem energia, recursos e capital social, durante meses, a discutir propostas legislativas que não estão conforme as normas constitucionais. De resto, a proposta de lei não versava sobre uma matéria qualquer: a requalificação (ex-mobilidade especial) seria aplicada em toda a função pública, razão pela qual a negociação envolveu a tutela da Administração Pública e os vários representantes dos diversos sectores do Estado. Foram meses de duras negociações, e em parte directamente relacionadas, recorde-se, com o boicote à realização dos exames nacionais, pela mão dos sindicatos de professores, prejudicando alunos, pais e sistema educativo. Olhando em retrospectiva, e sabendo que a proposta será agora revista pelo governo e novamente negociada, fica a pergunta: não era tudo isto evitável?
3. São muitos (na sociedade, no debate público, no governo) os que acusam os juízes do TC de estarem alheados da realidade do país. Em parte, parece óbvio que assim é. Mas, apesar disso, não serão eles os únicos responsáveis por esta situação. E se o governo pretende emendar a proposta, é bom que o compreenda.

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