O José Vítor existe mesmo?
www.blasfemias.net 2012-09-25
João Caetano Dias
José Vitor Malheiros escreveu um artigo no Público de terça-feira, 25 de Setembro, intitulado “A Dívida Existe Mesmo?”
.Esse artigo alinha com uma série de opiniões correntes, infelizmente muito usuais na nossa imprensa, de que não se sabe o que nos trouxe aqui, que não se sabe para que serviu a dívida, que há um secretismo opaco em todos estes processos. A maior parte da opinião publicada que versa temas económicos é muito pouco fundamentada e este artigo de JVM é apenas mais um exemplo da iliteracia generalizada que grassa pela imprensa. Algumas passagens do artigo:
.“Há uns anos, começámos a ouvir falar do volume excessivo de dívida pública (que hoje rondará os 124% do PIB) e disseram-nos que precisávamos de a pagar urgentemente.”
.Quem disse? O que ouvimos na última década de gente ajuizada é que o caminho teria que mudar rapidamente, para não falirmos. Infelizmente, quem falou não foi ouvido. O José Vítor não fará a mais pequena ideia, mas pagar a dívida pública urgentemente é impossível. Para a pagar em 10 anos, precisávamos de um superavit de 12,5% ao ano. Para a pagar em 20, precisávamos de 6 e qualquer coisa por cento. Estamos muito longe de a poder pagar “urgentemente”. O que está em causa é, tão só, fazer com que a dívida não engorde mais e para isso, precisamos de conseguir atingir uma meta extremamente difícil: défice zero.
.Quando a dívida pública deixar de crescer, arriscamo-nos a, talvez, conseguir gerir a dívida, como dizia um anterior primeiro-ministro de má memória. Isto se os nossos credores acreditarem que ganhámos juízo e se governo e oposição tiverem discursos coerentes. Para reduzir o volume de endividamento para valores mais aceitáveis, qualquer que seja a redução, também precisamos de superavits – ou de muito crescimento, o que não acontecerá sem baixar impostos, o que implica cortar ainda mais na despesa pública. Como ninguém (excepto a troika) está disposto a emprestar-nos dinheiro a juros suportáveis, não há alternativa. Ou tapamos o buraco do défice, ou já fomos.
.“Tínhamos vivido acima das nossas possibilidades, disseram-nos”.
.Não sei se percebeu bem o que lhe disseram, mas quem viveu acima das possibilidades dos contribuintes foi o Estado. Por isso se endividou, todos os anos cada vez mais, porque gastou sempre mais do que recolhia de taxas e impostos.
.“O Governo de Passos Coelho, quebrando as promessas eleitorais, pôs fim aos subsídios de férias e Natal com impostos extraordinários, cortou os nossos salários com aumentos de IRS, cortou subsídios e pensões
…
Tudo isto, recorde-se, para reduzir nossa dívida, que gerava défices insustentáveis, já que para pagar mensalidades dos empréstimos antigos se contraíam novos empréstimos a juros mais elevados.”
.Sim, Passos Coelho mentiu na campanha eleitoral, mas mentiu menos que todos os restantes candidatos que prometeram, todos, mundos ainda melhores. Mas nada disto, infelizmente, foi para reduzir a nossa dívida. Apenas para tentar que ela cresça mais lentamente. Não é a nossa dívida que gera défices insustentáveis. São os défices insustentáveis que geram dívida. Enquanto houver défice, a dívida cresce. É verdadeiramente inacreditável que tanta gente aparentemente bem formada e tantos jornalistas pretensamente bem informados ainda não tenham compreendido que a divida pública é, basicamente, o somatório dos défices dos anos anteriores.
.“Foi em nome do pagamento dessa dívida que nos foram impostos sacrifícios e que se foi sacrificando o Estado Social”.
.Não foi nada, José. Foi porque se acabou o dinheiro e já ninguém nos empresta mais, porque os investidores que iam cobrindo todos os anos o défice do estado com empréstimos começaram a não acreditar que Portugal possa pagar. Foi por não haver dinheiro para suportar o custo do estado que nos foram impostos sacrifícios. Nunca foi para pagar dívida. O acordo com a troika negociado pelo anterior governo nunca chegava a apresentar superavit. Terminava com um défice de 3% – o que significa que nesse último ano do acordo, o problema ainda não estaria resolvido e a dívida pública continuaria a aumentar.
.Aponte José Vítor (em bold e sublinhado para que nunca se esqueça): a Dívida Pública de um ano é a Dívida Pública do ano anterior mais o défice do ano corrente. Sim, há outras coisinhas, mas não quero confundir-lhe a cabeça. Esta definição serve para começar.
.Todos as frases que JVM escreve de seguida e que começam com “É em nome do pagamento dessa dívida…” estão erradas. Não é nada em nome do pagamento dessa dívida. É por não haver mais dinheiro. Só. Porque acabou. Porque não há mais.
Depois, vem a parte mais interessante desta crónica. Aquela em faz muitas perguntas. Imbuídos de um espírito evangelizador, tentemos ajudar o José Vitor.
.
P: “Mas que dívida é esta?”
R: É, grosso modo, o défice acumulado dos últimos 38 anos.
P: “Para começar, quanto devemos exatamente e a quem?”
R: Em 31 de Dezembro de 2011, devíamos cerca de 180.000 milhões de euros. Devemos aos detentores de títulos de dívida pública e aos bancos que emprestaram diretamente às empresas públicas, câmaras municipais e governos regionais. No final do programa da ajustamento em curso, parte desta dívida que existia em Junho de 2011 é substituída pelo empréstimo da Troika, que totalizará 78.000 milhões de euros. Este montante, é aproximadamente equivalente ao valor das OTs que vencem durante o período de intervenção e que só poderiam ser renovadas a custos muito elevados, mais o défice estimado para 2011 a 2013.
P: “Alguém já viu a lista das dívidas.”
R: Sim. Muita gente. Todos os que olham para as contas públicas. Pode ir ao site do IGCP para mais informações sobre títulos do estado, aos orçamentos municipais para ver quanto deve cada câmara e aos Relatórios e Contas dos Institutos e empresas públicas para ver o que resta desse lado. Os totais estão no Pordata.
P: “Quem a certificou? Quem a auditou?”
R: O Tribunal de Contas audita as contas públicas. A dívida é apenas o défice acumulado de cada ano, pelo que a pergunta demonstra alguma incompreensão do modo como estes conceitos se interligam.
P: “Quem são os credores?”
R: Ver atrás. Os detentores de obrigações do estado são principalmente bancos e fundos. Antes da crise, uma parte significativa estava em fundos de pensões estrangeiros – típicos clientes de títulos de dívidas soberanas. Depois, quando o risco começou a aumentar e os ratings começaram a baixar, a dívida foi impingida a bancos e fundos portugueses, entre eles fundos do próprio estado, como o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e os fundos de Poupança Reforma de muitos bancos e sociedades financeiras. As OTs são livremente transacionadas no mercado, pelo que estão à disposição de qualquer investidor. Não têm nome na capa, embora a maior parte publique as suas carteiras de títulos pelo que podemos ver quanto detém cada fundo. De acordo com o Banco de Portugal, em 30 de Junho de 2012 a banca portuguesa detinha um valor superior a 33 mil milhões de euros de títulos de dívida pública nacional com maturidade superior a um ano. No caso da dívida directa à banca, os credores são em grande parte portugueses, com BCP, BES e CGD à cabeça.
P: “E devemos de quê?”
R: Dos défices José. Dos défices. Dos défices. Dos défices. Escreva 100 vezes, por favor.
P: “O que comprámos?”
R: O estado compra muitas coisas. Por exemplo, em 2010 gastou 88,5 mil milhões de euros. Como só teve de receitas 71,5 mil milhões, pediu emprestado 17 mil milhões. Principalmente, compra trabalho – cerca de 21.000 milhões são salários de funcionários públicos – paga pensões e faz aquilo a que chama investimentos. Também faz muitas transferências de verbas para muitos sítios: Regiões autónomas, municípios, fundações, empresas públicas e todos os milhares de institutos e organismos que por aí pululam. Os orçamentos do estado têm páginas e páginas de tabelas de organismos e instituições que recebem dinheiros do estado. Veja aqui, por exemplo, para 2010. Mas se pergunta o que comprámos com a dívida, a resposta é simples: comprámos o défice. O défice. O défice. O défice. (Escrever 500 vezes, por favor)
P: “O que pedimos emprestado?”
R: Em cada ano, o valor do défice menos eventuais ganhos de privatizações. Vamos lá outra vez: O défice. O défice. O défice. Escrever 1000 vezes.
P: “Em que condições?”
R: No caso de emissões de dívida pública, nas condições do mercado a cada momento. Se houver muita procura, pelos nossos títulos de dívida, os preços – o juro – baixam. Aquilo que se chamava ataques especulativos eram tão somente investidores a deixar de comprar dívida portuguesa e outros receosos a aceitarem apenas juros mais altos. Não era um ataque. Era uma defesa. Menos procura, maior risco, preço mais alto. Ultimamente, financiamo-nos apenas nas condições da troika, excepto para pequenas emissões de prazos mais curtos. No caso dos empréstimos bancários, nas condições negociadas com os bancos, habitualmente a custos muito inferiores ao resto da economia.
P: “Quando?”
R: Todos os anos, várias vezes. O estado pede não apenas o montante do défice, mas também montantes equivalentes às amortizações de cada ano, para substituir a dívida que vai vencendo.
P: “Quem pediu?”
R: O Estado, habitualmente através do Instituto de Gestão de Dívida Pública. O governo, via acordo com a troika. Ou as Câmaras e organismos públicas em negociação directa com bancos.
P: “Quem recebeu?”
R: O Estado, as câmaras, as empresas públicas. Grande parte foi obra do último governo. Veja aqui o buraco de Sócrates.
P: “Onde e Quando?”
R: Está mesmo a leste. Todos os anos. Todos os meses. É público.
P: “Para onde entrou o dinheiro?”
R: Para contas dos estado, das autarquias e das empresas públicas.
P: “Para que serviu?”
R: Para pagar o défice. Vamos lá outra vez. O défice. O défice. O défice. Escreva 5000 vezes.
Questiona de seguida JVM se o dinheiro foi bem gasto ou não. “Se serviu principalmente para encher os bolsos das empresas das PPP, da Soares da Costa, da Mota-Engil…”
Sinto surpreende-lo, meu caro. O estado ainda não gastou o dinheiro nas PPP. Só agora é que está a começar a pagar. As PPP, na sua maioria, foram um truque para fazer obra pública inviável sem pagar e deixar a conta para quem viesse depois. Eles fizeram a festa e ganharam os votos, o seguinte que se fornique, mais os contribuintes que servem para estas coisas. A factura só está a chegar agora e vai continuar a chegar nos próximos 20 anos. Se essas obrigações estivessem registadas na nossa dívida pública, corresponderiam a mais 26 mil milhões de euros sobre os quais teríamos que pagar juros e capital.
.Após todas estas perguntas, o artigo do José Vitor continua com um parágrafo inenarrável:
“É que é essa informação a que eu tenho acesso na minha hipoteca e no meu cartão de crédito. Essa é a informação que qualquer credor tem de mostrar (e provar) quando exige pagamento”. “… não existe absolutamente nenhuma razão para que esta informação não nos seja fornecida em todos os detalhes, actualizada e explicada”.
.Que dizer a isto? Que quem detém OTs do estado, tem de mostrar as execuções orçamentais e os défices das últimas 3 décadas? Que absurdo. Será que JVM pensa que cada emissão de dívida pública discriminava o destino? O estado pedia, quem tinha gestão de poupanças alheias emprestava. Era só isso, José. Ou pensa que quando o estado faz uma emissão de dívida, tem que explicar que é x para a piscina de Corroios, y para pagar os Magalhães e z para a RTP?
.É para o défice, José. O défice. O défice. O défice. (10000 vezes)
.A seguir o José Vitor chama vigarista ao governo. Felizmente, que vindo de quem demonstra tal nível de sapiência, um insulto destes é quase um elogio.
.Esta ignorância dos mais básicos detalhes das finanças públicas que o José Vitor revela, não o impede de escrever artigos atrás de artigos sobre estes temas. Por esse motivo e porque isto é o Público, ainda tenho esperança de ser convidado para escrever crónicas sobre operações à próstata ou sobre a história da Mesopotâmia antiga. Pior não saía.
João Caetano Dias
José Vitor Malheiros escreveu um artigo no Público de terça-feira, 25 de Setembro, intitulado “A Dívida Existe Mesmo?”
.Esse artigo alinha com uma série de opiniões correntes, infelizmente muito usuais na nossa imprensa, de que não se sabe o que nos trouxe aqui, que não se sabe para que serviu a dívida, que há um secretismo opaco em todos estes processos. A maior parte da opinião publicada que versa temas económicos é muito pouco fundamentada e este artigo de JVM é apenas mais um exemplo da iliteracia generalizada que grassa pela imprensa. Algumas passagens do artigo:
.“Há uns anos, começámos a ouvir falar do volume excessivo de dívida pública (que hoje rondará os 124% do PIB) e disseram-nos que precisávamos de a pagar urgentemente.”
.Quem disse? O que ouvimos na última década de gente ajuizada é que o caminho teria que mudar rapidamente, para não falirmos. Infelizmente, quem falou não foi ouvido. O José Vítor não fará a mais pequena ideia, mas pagar a dívida pública urgentemente é impossível. Para a pagar em 10 anos, precisávamos de um superavit de 12,5% ao ano. Para a pagar em 20, precisávamos de 6 e qualquer coisa por cento. Estamos muito longe de a poder pagar “urgentemente”. O que está em causa é, tão só, fazer com que a dívida não engorde mais e para isso, precisamos de conseguir atingir uma meta extremamente difícil: défice zero.
.Quando a dívida pública deixar de crescer, arriscamo-nos a, talvez, conseguir gerir a dívida, como dizia um anterior primeiro-ministro de má memória. Isto se os nossos credores acreditarem que ganhámos juízo e se governo e oposição tiverem discursos coerentes. Para reduzir o volume de endividamento para valores mais aceitáveis, qualquer que seja a redução, também precisamos de superavits – ou de muito crescimento, o que não acontecerá sem baixar impostos, o que implica cortar ainda mais na despesa pública. Como ninguém (excepto a troika) está disposto a emprestar-nos dinheiro a juros suportáveis, não há alternativa. Ou tapamos o buraco do défice, ou já fomos.
.“Tínhamos vivido acima das nossas possibilidades, disseram-nos”.
.Não sei se percebeu bem o que lhe disseram, mas quem viveu acima das possibilidades dos contribuintes foi o Estado. Por isso se endividou, todos os anos cada vez mais, porque gastou sempre mais do que recolhia de taxas e impostos.
.“O Governo de Passos Coelho, quebrando as promessas eleitorais, pôs fim aos subsídios de férias e Natal com impostos extraordinários, cortou os nossos salários com aumentos de IRS, cortou subsídios e pensões
…
Tudo isto, recorde-se, para reduzir nossa dívida, que gerava défices insustentáveis, já que para pagar mensalidades dos empréstimos antigos se contraíam novos empréstimos a juros mais elevados.”
.Sim, Passos Coelho mentiu na campanha eleitoral, mas mentiu menos que todos os restantes candidatos que prometeram, todos, mundos ainda melhores. Mas nada disto, infelizmente, foi para reduzir a nossa dívida. Apenas para tentar que ela cresça mais lentamente. Não é a nossa dívida que gera défices insustentáveis. São os défices insustentáveis que geram dívida. Enquanto houver défice, a dívida cresce. É verdadeiramente inacreditável que tanta gente aparentemente bem formada e tantos jornalistas pretensamente bem informados ainda não tenham compreendido que a divida pública é, basicamente, o somatório dos défices dos anos anteriores.
.“Foi em nome do pagamento dessa dívida que nos foram impostos sacrifícios e que se foi sacrificando o Estado Social”.
.Não foi nada, José. Foi porque se acabou o dinheiro e já ninguém nos empresta mais, porque os investidores que iam cobrindo todos os anos o défice do estado com empréstimos começaram a não acreditar que Portugal possa pagar. Foi por não haver dinheiro para suportar o custo do estado que nos foram impostos sacrifícios. Nunca foi para pagar dívida. O acordo com a troika negociado pelo anterior governo nunca chegava a apresentar superavit. Terminava com um défice de 3% – o que significa que nesse último ano do acordo, o problema ainda não estaria resolvido e a dívida pública continuaria a aumentar.
.Aponte José Vítor (em bold e sublinhado para que nunca se esqueça): a Dívida Pública de um ano é a Dívida Pública do ano anterior mais o défice do ano corrente. Sim, há outras coisinhas, mas não quero confundir-lhe a cabeça. Esta definição serve para começar.
.Todos as frases que JVM escreve de seguida e que começam com “É em nome do pagamento dessa dívida…” estão erradas. Não é nada em nome do pagamento dessa dívida. É por não haver mais dinheiro. Só. Porque acabou. Porque não há mais.
Depois, vem a parte mais interessante desta crónica. Aquela em faz muitas perguntas. Imbuídos de um espírito evangelizador, tentemos ajudar o José Vitor.
.
P: “Mas que dívida é esta?”
R: É, grosso modo, o défice acumulado dos últimos 38 anos.
P: “Para começar, quanto devemos exatamente e a quem?”
R: Em 31 de Dezembro de 2011, devíamos cerca de 180.000 milhões de euros. Devemos aos detentores de títulos de dívida pública e aos bancos que emprestaram diretamente às empresas públicas, câmaras municipais e governos regionais. No final do programa da ajustamento em curso, parte desta dívida que existia em Junho de 2011 é substituída pelo empréstimo da Troika, que totalizará 78.000 milhões de euros. Este montante, é aproximadamente equivalente ao valor das OTs que vencem durante o período de intervenção e que só poderiam ser renovadas a custos muito elevados, mais o défice estimado para 2011 a 2013.
P: “Alguém já viu a lista das dívidas.”
R: Sim. Muita gente. Todos os que olham para as contas públicas. Pode ir ao site do IGCP para mais informações sobre títulos do estado, aos orçamentos municipais para ver quanto deve cada câmara e aos Relatórios e Contas dos Institutos e empresas públicas para ver o que resta desse lado. Os totais estão no Pordata.
P: “Quem a certificou? Quem a auditou?”
R: O Tribunal de Contas audita as contas públicas. A dívida é apenas o défice acumulado de cada ano, pelo que a pergunta demonstra alguma incompreensão do modo como estes conceitos se interligam.
P: “Quem são os credores?”
R: Ver atrás. Os detentores de obrigações do estado são principalmente bancos e fundos. Antes da crise, uma parte significativa estava em fundos de pensões estrangeiros – típicos clientes de títulos de dívidas soberanas. Depois, quando o risco começou a aumentar e os ratings começaram a baixar, a dívida foi impingida a bancos e fundos portugueses, entre eles fundos do próprio estado, como o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e os fundos de Poupança Reforma de muitos bancos e sociedades financeiras. As OTs são livremente transacionadas no mercado, pelo que estão à disposição de qualquer investidor. Não têm nome na capa, embora a maior parte publique as suas carteiras de títulos pelo que podemos ver quanto detém cada fundo. De acordo com o Banco de Portugal, em 30 de Junho de 2012 a banca portuguesa detinha um valor superior a 33 mil milhões de euros de títulos de dívida pública nacional com maturidade superior a um ano. No caso da dívida directa à banca, os credores são em grande parte portugueses, com BCP, BES e CGD à cabeça.
P: “E devemos de quê?”
R: Dos défices José. Dos défices. Dos défices. Dos défices. Escreva 100 vezes, por favor.
P: “O que comprámos?”
R: O estado compra muitas coisas. Por exemplo, em 2010 gastou 88,5 mil milhões de euros. Como só teve de receitas 71,5 mil milhões, pediu emprestado 17 mil milhões. Principalmente, compra trabalho – cerca de 21.000 milhões são salários de funcionários públicos – paga pensões e faz aquilo a que chama investimentos. Também faz muitas transferências de verbas para muitos sítios: Regiões autónomas, municípios, fundações, empresas públicas e todos os milhares de institutos e organismos que por aí pululam. Os orçamentos do estado têm páginas e páginas de tabelas de organismos e instituições que recebem dinheiros do estado. Veja aqui, por exemplo, para 2010. Mas se pergunta o que comprámos com a dívida, a resposta é simples: comprámos o défice. O défice. O défice. O défice. (Escrever 500 vezes, por favor)
P: “O que pedimos emprestado?”
R: Em cada ano, o valor do défice menos eventuais ganhos de privatizações. Vamos lá outra vez: O défice. O défice. O défice. Escrever 1000 vezes.
P: “Em que condições?”
R: No caso de emissões de dívida pública, nas condições do mercado a cada momento. Se houver muita procura, pelos nossos títulos de dívida, os preços – o juro – baixam. Aquilo que se chamava ataques especulativos eram tão somente investidores a deixar de comprar dívida portuguesa e outros receosos a aceitarem apenas juros mais altos. Não era um ataque. Era uma defesa. Menos procura, maior risco, preço mais alto. Ultimamente, financiamo-nos apenas nas condições da troika, excepto para pequenas emissões de prazos mais curtos. No caso dos empréstimos bancários, nas condições negociadas com os bancos, habitualmente a custos muito inferiores ao resto da economia.
P: “Quando?”
R: Todos os anos, várias vezes. O estado pede não apenas o montante do défice, mas também montantes equivalentes às amortizações de cada ano, para substituir a dívida que vai vencendo.
P: “Quem pediu?”
R: O Estado, habitualmente através do Instituto de Gestão de Dívida Pública. O governo, via acordo com a troika. Ou as Câmaras e organismos públicas em negociação directa com bancos.
P: “Quem recebeu?”
R: O Estado, as câmaras, as empresas públicas. Grande parte foi obra do último governo. Veja aqui o buraco de Sócrates.
P: “Onde e Quando?”
R: Está mesmo a leste. Todos os anos. Todos os meses. É público.
P: “Para onde entrou o dinheiro?”
R: Para contas dos estado, das autarquias e das empresas públicas.
P: “Para que serviu?”
R: Para pagar o défice. Vamos lá outra vez. O défice. O défice. O défice. Escreva 5000 vezes.
Questiona de seguida JVM se o dinheiro foi bem gasto ou não. “Se serviu principalmente para encher os bolsos das empresas das PPP, da Soares da Costa, da Mota-Engil…”
Sinto surpreende-lo, meu caro. O estado ainda não gastou o dinheiro nas PPP. Só agora é que está a começar a pagar. As PPP, na sua maioria, foram um truque para fazer obra pública inviável sem pagar e deixar a conta para quem viesse depois. Eles fizeram a festa e ganharam os votos, o seguinte que se fornique, mais os contribuintes que servem para estas coisas. A factura só está a chegar agora e vai continuar a chegar nos próximos 20 anos. Se essas obrigações estivessem registadas na nossa dívida pública, corresponderiam a mais 26 mil milhões de euros sobre os quais teríamos que pagar juros e capital.
.Após todas estas perguntas, o artigo do José Vitor continua com um parágrafo inenarrável:
“É que é essa informação a que eu tenho acesso na minha hipoteca e no meu cartão de crédito. Essa é a informação que qualquer credor tem de mostrar (e provar) quando exige pagamento”. “… não existe absolutamente nenhuma razão para que esta informação não nos seja fornecida em todos os detalhes, actualizada e explicada”.
.Que dizer a isto? Que quem detém OTs do estado, tem de mostrar as execuções orçamentais e os défices das últimas 3 décadas? Que absurdo. Será que JVM pensa que cada emissão de dívida pública discriminava o destino? O estado pedia, quem tinha gestão de poupanças alheias emprestava. Era só isso, José. Ou pensa que quando o estado faz uma emissão de dívida, tem que explicar que é x para a piscina de Corroios, y para pagar os Magalhães e z para a RTP?
.É para o défice, José. O défice. O défice. O défice. (10000 vezes)
.A seguir o José Vitor chama vigarista ao governo. Felizmente, que vindo de quem demonstra tal nível de sapiência, um insulto destes é quase um elogio.
.Esta ignorância dos mais básicos detalhes das finanças públicas que o José Vitor revela, não o impede de escrever artigos atrás de artigos sobre estes temas. Por esse motivo e porque isto é o Público, ainda tenho esperança de ser convidado para escrever crónicas sobre operações à próstata ou sobre a história da Mesopotâmia antiga. Pior não saía.
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