Adriano Moreira: um gentleman
Público 2012-09-10 João Carlos Espada
Foi certamente uma noite memorável para todos os participantes. A variedade de gerações, actividades profissionais e disposições políticas dominava a atmosfera ordeira e civilizada. Mário Soares e António Ramalho Eanes, Maria Barroso, Manuela Eanes, Manuela Ferreira Leite e Leonor Beleza, almirante Vieira Matias, general Pinto Ramalho e general Rocha Vieira, vários reitores de várias universidades, entre os quais o actual e a próxima reitora da Universidade Católica, estes são apenas alguns dos muitos nomes marcantes que estiveram presentes - aos quais devem ser acrescentadas as mensagens enviadas por Paulo Portas e Guilherme d"Oliveira Martins. Os organizadores do evento - Ribeiro e Castro, Narana Coissoró e Viriato Soromenho Marques - estavam merecidamente felizes. Julgo que o mesmo pode ser dito de todos nós.
A pergunta legítima é a de tentar decifrar o que reuniu tantas pessoas de variadas disposições na homenagem a Adriano Moreira. A resposta mais segura reside certamente na amizade e admiração que todos nutriam pelo homenageado. Mas é mais arriscado tentar definir com exactidão o específico contorno dessa admiração. Cada um terá a sua interpretação pessoal. E a singularidade do encontro residiu precisamente na pluralidade de pontos de vista pessoais ali reunidos. Alguns pontos comuns, no entanto, foram emergindo nas intervenções dos promotores da iniciativa.
Em primeiro lugar, todos sublinharam a dimensão do académico e do professor. Uma vida dedicada à Academia, com um importante contributo inovador. Adriano Moreira introduziu entre nós a Ciência Política e as Relações Internacionais, como disciplinas autónomas do saber e da investigação. Renovou na década de 1960 o então ISCSPU, actual ISCSP, transformando-o numa instituição universitária de topo. A sua acção foi também marcante no Instituto Superior Naval e ainda hoje continua no Instituto de Estudos Superiores Militares, onde aquele veio a ser integrado. Mas a sua acção estendeu-se à Sociedade de Geografia, à Academia de Marinha, à Academia Internacional da Cultura Portuguesa, que fundou, e à Academia de Ciências, a que preside. Muitos dos presentes no jantar de sexta-feira foram sobretudo alunos de Adriano Moreira - quer no literal sentido da palavra, quer por termos lido e aprendido com a sua vasta obra publicada.
Na dimensão política, todos recordam a profunda acção reformadora de Adriano Moreira como ministro do Ultramar. Aboliu o Estatuto do Indigenato, as culturas obrigatórias e o recrutamento de trabalho compelido, tendo publicado o novo Código de Trabalho Rural. Opôs-se ao projecto de independência branca de Angola. Após o 25 de Abril, foi fundador do CDS, ao qual viria a presidir, e foi deputado à Assembleia da República durante inúmeros mandatos. E foi também aí que reuniu a admiração de todas as bancadas democráticas, apesar de se sentar numa bancada democrática específica.
Uma terceira dimensão que todos reconhecem a Adriano Moreira é a sua inspirada e inspiradora percepção da "maneira portuguesa de estar no mundo". Não é fácil definir essa percepção em poucas palavras. Mas ela certamente aponta para o fenómeno intrigante de empatia e cumplicidade que os portugueses deixaram pelo mundo por onde navegaram. Este fenómeno tem certamente um alicerce crucial na língua portuguesa, mas estende-se para lá da língua, e através dela, para uma cultura de língua portuguesa. Não é um fenómeno primeiramente político, mas cultural e social. Por isso tem sobrevivido, e sobreviverá, a muitos episódios políticos de sinal contrário.
Há uma quarta dimensão, todavia. Todos referiram a sua origem transmontana, para indicar a especificidade do seu carácter. E todos conhecem pelo menos algumas facetas desse carácter. A firmeza de convicções, nunca confundida com sectarismo ou obstinação dogmática. A elegância da presença e do discurso, a largueza de horizontes, a simpatia do olhar e do sorriso, a empatia com as outras pessoas - e a antipatia natural, embora sempre controlada, para com o oportunismo e a superficialidade. E o homem de família, dedicado aos filhos e aos netos - todos marcando presença no jantar de sexta-feira - num casamento feliz com Mónica Mayer, uma senhora de rara beleza, energia contagiante, carácter e inteligência marcantes, simplesmente encantadora.
Creio que Viriato Soromenho Marques terá tentado resumir esta outra dimensão de Adriano Moreira, chamando-lhe apropriadamente "nobreza". E de nobreza se trata. Nobreza de carácter e de conduta, de maneira de estar na vida. Era costume chamar-lhe, num passado mais nobre, gentlemanship. É assim que eu vejo, antes de mais, Adriano Moreira: "A real gentleman."
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