Casamento civil indissolúvel, já!
Público 2012-09-11 Gonçalo Portocarrero de Almada
Ora bem, se o Valter e a Viviana, dois fervorosos ateus da Charneca da Caparica, quiserem também unir as suas vidas de forma irrevogável, não o podem fazer juridicamente. Com efeito, a actual lei civil não lhes permite essa opção. Por outro lado, também não podem recorrer ao casamento indissolúvel católico, porque a Igreja, obviamente, não pode admitir ao sacramento do matrimónio um casal em que nenhum dos nubentes professa a religião cristã. Daqui resulta, portanto, que os católicos beneficiam de uma possibilidade jurídica que está vedada aos ateus e agnósticos, bem como a todos os outros cidadãos não católicos. Ao que parece, esta proibição legal de uma aliança conjugal perpétua baseia-se no entendimento de que o Estado não deve permitir que ninguém, mesmo agindo no pleno uso da sua razão e vontade, se possa comprometer matrimonialmente de forma definitiva, ou seja, sem uma cláusula de eventual rescisão.
Uma tal prudência legislativa seria louvável, se não fosse tão incrivelmente contrária à mais elementar liberdade dos cidadãos. Com a mesma razão, ou a mesma falta dela, também se deveria proibir legalmente a adopção, pois é tão irreversível quanto o seria um matrimónio indissolúvel. Portanto, é avisado que o ordenamento jurídico seja exigente nas condições que requer para uma decisão definitiva, mas não pode, salvo que se assuma como expressão de um poder autoritário, restringir a liberdade dos nubentes quanto ao tempo e ao modo como se querem comprometer matrimonialmente. Poder-se-ia objectar que, se o casal ateu não se quiser divorciar, nada o impede de permanecer casado o tempo que quiser e, por isso, não precisaria de um casamento civilmente indissolúvel, nem de nenhuma cláusula proibitiva do divórcio. Mas um tal argumento não é válido, porque aquilo que realmente pretende quem quer casar para sempre não é apenas a não dissolução, de facto, da aliança nupcial. Quer, sobretudo, a impossibilidade jurídica de que a dissolução se possa verificar por decisão de um cônjuge, ou de ambos. O Valter e a Viviana não querem apenas prescindir individualmente da sua faculdade de requerer o divórcio, mas cada um deles quer também evitar que possa ficar divorciado por efeito de uma acção interposta pelo outro. Ora um tal objectivo só poderá ser alcançado se houver, efectivamente, um matrimónio civil indissolúvel. Com efeito, segundo a lei vigente, qualquer casamento é dissolúvel, mesmo contra a vontade do cônjuge inocente, o que acontece as mais das vezes.
A bem dizer, criar a alternativa do casamento civil indissolúvel, a par de um matrimónio civil rescindível por divórcio, não só a ninguém ofende como beneficiaria todos os cidadãos. Em primeiro lugar, os ateus, os agnósticos e os crentes não católicos, porque poderiam assim contrair um matrimónio civilmente indissolúvel. Mas também, em segundo lugar, os que casaram catolicamente. Estes, com efeito, muito embora a Igreja garanta a indissolubilidade do seu vínculo nupcial no âmbito canónico, carecem do reconhecimento civil dessa cláusula contratual do seu casamento religioso.
O direito de optar por um matrimónio civil indissolúvel é uma exigência da mais elementar liberdade. É atendível também como único meio de abolir a discriminação de que são vítimas todos os cidadãos não católicos, sobretudo os ateus e os agnósticos. De facto, os fiéis podem optar por um matrimónio religioso, para assim salvaguardar a pretendida indissolubilidade do vínculo mas, os que o não são, não podem aceder à celebração canónica, nem a lei civil lhes consente, por ora, a tão legítima e salutar opção por um matrimónio indissolúvel.
Há quem entenda, por último, que o divórcio é necessário, para remediar os casos em que a escolha do cônjuge não foi acertada. Porém, estes casos não se resolvem com leis que, através das muitas facilidades concedidas, incentivam o divórcio e favorecem a irresponsabilidade matrimonial. Pelo contrário, a opção pelo casamento civil indissolúvel ajudaria a evitar esses desacertos, não só porque os noivos ficariam obrigados a assumir para sempre o seu compromisso nupcial, mas também porque, como sugere André Frossard, uma vez casados, já não se poderiam voltar a enganar!
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