AS IRMÃZINHAS ATEIAS DA CARIDADE - Porque razão a Igreja tem o monopólio da caridade?

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
Voz da Verdade, 2012-09-17

Consta que um zeloso pároco afixou esta convocatória para uma quermesse paroquial: «Estimadas senhoras: vamos ter em breve a nossa habitual venda de caridade, para a qual esperamos que contribuam com aquelas coisas que têm lá em casa e que não servem para nada. Tragam os vossos maridos!».
A referência aos esposos não foi, de facto, feliz. Mas a verdade é que a Igreja, com ou sem maridos, realiza obras de caridade desde o início: um dos seus primeiros problemas foi, precisamente, o excesso de empenho com que os apóstolos se dedicaram a esta pastoral, com prejuízo da oração e do ministério da palavra. Depois floresceram, ao longo dos séculos, múltiplas instituições religiosas vocacionadas para o serviço dos mais carentes.
Mesmo aqueles que não prezam a presença e a acção da Igreja, tendem a elogiar a sua generosa dedicação aos órfãos, aos doentes, aos prisioneiros, aos imigrantes, aos moribundos e, em geral, aos mais necessitados. Um escritor actual, premiado com o Nobel, chegou mesmo a dizer que não subscrevia a fé da Beata Teresa de Calcutá, mas que não podia deixar de louvar a ajuda que a sua benemérita ordem religiosa presta aos mais pobres dos pobres. E é de crer que esta genuína e sincera admiração seja um sentimento comum a muitas outras pessoas, não obstante as suas reservas em relação ao dogma cristão e à moral católica.
Assim sendo, porque não congregar todas essas boas vontades, avessas à fé e à moral cristãs, numa ordem das irmãzinhas ateias da caridade?!
Com efeito, se tantas pessoas boas, embora não crentes, manifestam o seu entusiasmo pela dedicação aos mais necessitados, por que não institucionalizar esses sentimentos altruístas numa ordem arreligiosa, que se dedique a praticar o bem que tão entusiasticamente louvam?! Se, de facto, muitos ateus e agnósticos têm tanto apreço pelo trabalho humanitário das instituições católicas de caridade, porque não possibilitar que façam o mesmo pelo próximo, mas sem necessidade de se inscreverem numa religião em que não crêem, nem de professarem uma fé que não têm? Se é genuína a sua preocupação social, como autêntico o seu empenho em servir os mais indigentes, porque não fazem o que fazem tantas e tantos religiosas e religiosos de tantas congregações católicas, mas numa ordem ateia ou agnóstica?!
Em teoria, são viáveis instituições humanitárias laicas, mas dois mil anos de história ensinam que foi, sobretudo por virtude da fé cristã, que tantos e tantas entregaram a sua própria vida ao serviço dos outros. O facto, empiricamente demonstrável, de que essa abnegada e tantas vezes heróica prestação social ocorre, por regra, como consequência de uma prévia experiência de amor pessoal a Jesus Cristo, na sua Igreja, prova que é essa fé e a correspondente moral que fazem possível uma tal caridade.
Os homens, como as árvores, conhecem-se pelos seus frutos e não pelas suas palavras, ou pelos seus bons sentimentos, de que se diz estar o inferno cheio. Todos podem enaltecer a caridade, ou compadecer-se com os que sofrem, mas é Cristo que faz possível o amor maior, ou seja, dar a vida pelos outros. Elogiar a caridade cristã, menosprezando a correspondente fé, é tão absurdo como louvar as rodas de um carro, subestimando o seu motor; ou apreciar uma flor, mas esquecendo a sua raiz.
Bento XVI recordou, na sua primeira encíclica, o caso de Juliano, cognominado o apóstata, por ter abandonado a religião cristã. Este imperador pretendeu restaurar o paganismo, mas enriquecido com uma prática social análoga à actividade caritativa da Igreja. Também agora, não poucos países laicos, se não mesmo apóstatas, renunciam à fé, mas pretendem dar continuidade às obras da caridade cristã. Mas se a fé, sem caridade, está morta, a caridade, sem fé, não existe.

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