Saber estar ao pé do Crucificado
Homília do Cardeal Pietro Parolin
Fátima, 13 de Outubro 2016
Irmãos no episcopado e no presbiterado,
Queridos peregrinos de Fátima,
Amados irmãos e irmãs!
Fátima, 13 de Outubro 2016
Irmãos no episcopado e no presbiterado,
Queridos peregrinos de Fátima,
Amados irmãos e irmãs!
A Palavra de Deus que acabamos de ouvir convida-nos a saber estar ao pé do Crucificado. Não é a experiência apenas de um momento; saber estar ao pé do Crucificado é a sabedoria sobre a qual se constrói a Igreja. O crente, aquele que faz a opção da fé, partilha a cruz do seu Mestre e Senhor. De facto temos nela a síntese da vida e da mensagem de Jesus.
Não basta estar; temos de aprender a estar com o Crucificado, como Maria e João, o discípulo. Na verdade, pode-se estar ao pé do Crucificado como mero espetador, movido apenas pelo desejo de ver o que sucederá. Pode-se estar ao pé do Crucificado como contestador, movido pela recusa de tudo o que provocou aquela cruz. Pode-se estar ao pé do Crucificado como desiludido, sem esperança, convencido de que nunca vai mudar nada e de que a própria mudança é uma trágica ilusão. Pode-se estar ao pé do Crucificado como ressentido, com a sensação de ter sido traído por Aquele em quem se depôs confiança. Como se pode também decidir não estar ao pé do Crucificado, fugindo e escondendo-se à espera de tempos melhores. Por isso não basta estar; temos de aprender a estar lá como se deve.
Mas quem poderá ensinar-nos esta ciência modelada, não pela «sabedoria do mundo», mas pela «sabedoria que vem do Alto»? É Maria, a Mãe de Jesus.
Se quisermos aprender a estar ao pé do Crucificado, podemos e devemos olhar para Maria, podemos e devemos acolher Maria como Mãe, isto é, como mulher que educa para a verdadeira opção da fé em Cristo através da partilha da sua experiência de discípula e de crente.
O evangelista João não tem qualquer dúvida sobre esta verdadeira e real missão materna de Maria a favor de cada discípula e discípulo de Jesus, independentemente do tempo e cultura em que se encontrem. Está certo de que a Mãe de Jesus é presença vivente na Igreja de ontem e de hoje e de que uma tal presença possui as caraterísticas maternas da educação.
O que é que lhe dá esta certeza? Sobre que bases funda tal certeza? Deixou-o claro no seu Evangelho: é o próprio olhar do Crucificado. Ele viu, em Maria, a mulher que sabe estar ao pé da Cruz e, por isso mesmo, pode abraçar uma missão materna nova em benefício de toda a Igreja, ali representada pelo «discípulo amado».
Mas então que viu o Crucificado em Maria? O que foi que A tornou capaz de saber estar ao pé d’Ele? Gostaria, amados irmãos e irmãs, de responder a esta pergunta – central na Liturgia que estamos a celebrar –, apelando-me àquilo que a Palavra de Deus nos anunciou na Primeira Leitura, tirada do livro de Judite. Aquilo que é possível ver em Judite pode-nos ajudar a compreender o «coração» que o Crucificado viu em Maria.
Em primeiro lugar, Judite é uma mulher que atravessa as contradições mais dolorosas da vida, mantendo viva a confiança na fidelidade de Deus à aliança com o seu povo. Embora sendo o povo do Deus único, do único Senhor de toda a terra, Israel experimenta a presença de muitos «inimigos». Por outras palavras, encontra-se numa situação que põe em dúvida a fidelidade de Deus à sua aliança: se Deus fosse verdadeiramente fiel, não deveria haver «inimigos»; se Deus fosse verdadeiramente fiel, a vida não deveria ter «lados obscuros». Não são precisamente estes «lados obscuros», estes «inimigos» com uma multiplicidade de rostos e obras que semeiam a dúvida não só sobre a fidelidade de Deus, mas também sobre a sua própria existência? Onde está Deus, quando vemos estes «lados obscuros»? Onde está Deus, quando vemos esta multiplicidade de «inimigos»?
Como Judite, Maria também não duvidou da fidelidade de Deus à sua Aliança. Ao pé do Crucificado, está disposta a atravessar uma das contradições mais dolorosas que uma mulher possa viver: a morte do seu próprio Filho; uma morte ainda mais gravosa, porque resultante da maldade dos outros. E a morte injusta e violenta do Filho é, para Maria, uma contradição que se vem juntar a outra que já A acompanhava há algum tempo, ou seja, a viuvez. Já privada da pessoa, da presença e da companhia do José, vê-Se agora privada também do Filho, Jesus.
Para muitos de nós, estes são momentos mais do que justificados em que o «coração» se comprime, se fecha, se aniquila, rompe qualquer comunicação com tudo e com todos; mas não sucedeu assim com Maria. Ao atravessar esta dolorosa contradição, o «coração» de Maria não se fechou, mas «dilatou-se»; Ela não Se preocupou apenas consigo mesma. Recordando-Se das palavras da fé de Israel e do seu Filho, como verdadeira e autêntica discípula, pensou que não basta amar apenas a nós mesmos; mas também o próximo deve ser amado como a nós mesmos. E assim, ao pé do Crucificado, Maria preocupou-Se com o seu próximo: amou o próximo como a Si mesma. Ao pé do Crucificado, o próximo é, antes de tudo, o discípulo amado por Jesus. Ao pé do Crucificado, o próximo são todos os discípulos e discípulas que Jesus ama; todos, sem excluir ninguém. Assim, ao pé do Crucificado, são próximo os discípulos e discípulas que fugiram. Ao pé do Crucificado, são próximo os discípulos e discípulas falhados, ou seja, aqueles que não respondem à chamada d’Ele. Ao pé do Crucificado, são próximo todos os seres humanos, porque o chamamento a participar na vida de Deus é constantemente dirigido a toda a humanidade. Ao pé do Crucificado, o amor do próximo como a nós mesmos é, simultaneamente, o sinal da fé de Maria e aquilo que o olhar do Crucificado viu n’Ela.
Em segundo lugar, a narração bíblica apresentou-nos Judite como mulher corajosa. A sua coragem nasce da convicção de que Deus atua «na fraqueza e obscuridade» das contradições mais dolorosas da vida, para vencer os «inimigos» do seu povo. Certamente podemos ler esta coragem de Judite com as palavras do apóstolo Paulo, quando recorda aos cristãos que «a força de Deus se manifesta plenamente na fraqueza». Qual fraqueza? Com certeza, não é a da mesquinhez, do medo e da imoralidade; mas sim a fraqueza que deriva do amor do próximo. Quando se ama realmente o próximo, tornamo-nos «fracos», porque já não se aceitam as regras, as ideias e os comportamentos dos «fortes», que se amam apenas a si mesmos. No máximo, amam os seus «clones», ou seja, aqueles que são como eles. Os «fortes» e os «poderosos» amam os «fortes» e os «poderosos».
Ao pé do Crucificado, Maria é mulher corajosa, porque recusa submeter-Se às regras dos «fortes» e dos «poderosos». Naquele tempo, os parentes e conhecidos dos condenados à crucifixão não podiam aproximar-se destes últimos. Mas, corajosamente, Maria quebra esta regra; e, neste gesto, arrasta consigo Maria de Magdala e o discípulo amado.
Irmãs e irmãos muito amados, no olhar do Crucificado, encontramos Maria como Mãe da Igreja, como nossa Mãe. No olhar do Crucificado, Maria Santíssima vem ao nosso encontro com o seu «coração dilatado» pelo amor do próximo e a coragem da fraqueza. No olhar do Crucificado, a Igreja, como o discípulo amado e Maria de Magdala, é convidada a saber estar ao pé d’Ele, cultivando as mesmas atitudes.
Possa esta Liturgia, que nos une ao olhar do Crucificado Ressuscitado, fazer de nós construtores pacientes duma Igreja que anuncia o Evangelho não obstante as contradições e os lados obscuros da vida; antes, dentro deles. Tal é a finalidade que se propôs sabiamente o nosso Papa Francisco com o Ano da Misericórdia.
Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós. Assim seja!
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