Ler só por prazer
MIGUEL ESTEVES CARDOSO 24-10-2016 PUBLICO
Ler só pode ser um prazer. Ler para ficar estúpido ou irritado ou dar o tempo por perdido é difícil de perceber.
Conheço quem lê para se indignar ou saber reagir. Sou amigo de quem lê para ficar chocado com o estado – permanente desde o big bang com que nasceu – ao que o mundo chegou.
O meu pai lia muito e lia todos os livros até ao fim, mesmo os que ele achava – ou eram mesmo - maus. Gostava de enchê-los de correcções e de contra-argumentos. Quanto melhor a reputação do livro mais prazer tinha ele em apanhá-lo em falso.
Divertia-se assim. Logo não é totalmente verdade o que eu aqui disse. Os livros podem ser reles ou exasperantes. Pode-se perder muito tempo a corrigir à mão, inutilmente, exemplos de ignorância e estupidez. Mas, mesmo assim, ler só pode ser um prazer.
As pessoas acumulam culpas por não terem lido livros. Esses livros que nem sequer foram lidos causam, assim, um verdadeiro desprazer.
Isso é porque a leitura está tragicamente associada ao dever, à aprendizagem ou à abertura de espírito. A educação pública apresenta os livros – sobretudo certos livros escolhidos – como benéficos, às vezes indispensáveis.
A leitura e os livros são apresentados como a nutrição e os alimentos: é esse o grande erro. Desencoraja-se a leitura quando se cria uma obrigação de ler. Ler é um prazer. Livros diferentes – e maneiras diferentes de ler – dão prazer a pessoas diferentes.
Ler só pode ser um prazer. Se não dá prazer ler, deve-se fazer outra coisa. Que dê prazer.
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