A Esperança de Ana

VOZ DA VERDADE   23.10.2016

ACOLHIDOS, COMPREENDIDOS E ACOMPANHADOS PELA IGREJA


Ana Mansoa e Diogo Silva têm 3 filhos: Maria e Francisco, já no Céu, e Teresinha, de 1 ano. A falta de auxílio, dentro e fora da Igreja, quando perderam os dois primeiros filhos levou este jovem casal a criar, há um ano, o projeto A Esperança de Ana, que quer ajudar os casais a viver na fé a dor de perder um filho durante a gravidez ou em caso de infertilidade.

“Ser um espaço onde as pessoas se sintam acolhidas na sua dor, se sintam acolhidas na sua incompreensão” é a primeira missão de A Esperança de Ana. “Os casais dizem-nos muitas vezes que sentem ter de viver um luto envergonhado. Frases como ‘Deixa lá’ ou ‘Não correu bem desta vez, corre melhor na próxima’ provocam, em muitos casais, uma dor profunda, porque sentem que as pessoas, mesmo em contexto de Igreja, não compreendem. Um filho que nasça a seguir não vem substituir o que se perdeu”, alerta Ana Mansoa, ao Jornal VOZ DA VERDADE. É também desejo deste projeto que as pessoas consigam fazer “um caminho de compreensão desta experiência, à luz daquilo que foi a vida de Cristo”. “Procuramos, com a ajuda do nosso conselheiro sacerdote, e com fundamento na Palavra, conseguir dar sentido e alento a esta experiência, nunca desvalorizando o que as pessoas estejam a sentir e fazendo-as sentir que existe esperança”, descreve ainda esta jovem enfermeira, de 34 anos.
Ana Mansoa e o marido, Diogo Silva, são os ‘pais’ do projeto A Esperança de Ana, que nasceu oficialmente há um ano, em outubro de 2015. A equipa deste novo grupo da Igreja fica completa com o padre Jorge Anselmo, duas psicólogas, Maria José Vilaça e Olga Cunha, e outra enfermeira, Vanessa Machado. “Começámos por ter como ‘público alvo’ as famílias que perdem os seus bebés durante a gravidez, mas rapidamente percebemos que a questão da infertilidade acaba por estar muito intrinsecamente ligada, pela frustração e pelo sentimento de culpa, e que era importante intervir junto destes casais”, aponta Ana, salientando que, no seu primeiro ano de vida, o projeto A Esperança de Ana foi apresentado ao Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e também à Pastoral Familiar da diocese.

Retiros e escuta ativa
O principal foco do projeto A Esperança de Ana são os retiros espirituais. Este grupo organizou, logo em janeiro, o primeiro retiro, durante um fim-de-semana. “Através de exercícios espirituais, e também através de exercícios de psicoterapia, é feita uma caminhada, quase como a caminhada de Cristo no Calvário: desde o momento da morte, ou seja o confronto com a realidade e a aceitação, e a partir daí vários momentos, desde a despedida daquele filho, ou a aceitação da condição de infertilidade, até à ressurreição”, explica Ana.
Os responsáveis de A Esperança de Ana estão “sempre disponíveis para um encontro pessoal”, mas geralmente “as pessoas preferem, na fase inicial, que o contacto seja feito por telefone ou email”. A “escuta ativa” é a primeira atitude deste grupo após o contacto por parte do casal em dificuldades. “Usando estratégias de psicologia, a escuta ativa vai fazer sentir à pessoa que, do outro lado, está alguém que está disponível para ouvir, é empática com a sua dor, que já experienciou uma vivência idêntica e que percebe e valoriza o que a pessoa está a sentir”, descreve Ana Mansoa.
Havendo necessidade, o casal “é encaminhado para acompanhamento psicológico” com uma das duas psicólogas do grupo.
Há o desejo de “intensificar o acompanhamento aos casais”, de forma “mais estruturada e frequente”. “Uma das coisas que os casais sentem com muita dor, e causa muito sofrimento, é as pessoas referirem-se àquelas gravidezes sem sucesso como ‘um aborto’. Para os casais, de facto, foi um filho, foi uma vida, que marcou a sua história; para a sociedade foi outra coisa…” A Esperança de Ana tem um número de telefone disponível 24 horas por dia, a página no Facebook e o email. “É engraçado, porque é precisamente por correio eletrónico que as pessoas mais nos contactam, talvez para ‘fugir’ ao telefone”, refere Ana.

Maria e Francisco
Foi a história de vida do casal Ana Mansoa e Diogo Silva, da paróquia de São Tomás de Aquino, que esteve na origem do projeto A Esperança de Ana. Estes dois jovens conheceram-se no movimento Jovens Sem Fronteiras, dos Espiritanos, fizeram juntos uma semana missionária em Ventosa, Vieira do Minho, e começaram a namorar nesse mesmo ano de 2004. Depois de seis anos de namoro, Ana e Diogo casaram em 2010 com o desejo de ter filhos. “Rapidamente percebemos que não ia ser fácil, devido a um problema de saúde que tenho”, assume Ana, que após alguns estudos engravida espontaneamente, no final do ano 2012. “Foi uma gravidez muito complicada desde o início, com repouso absoluto, perdas de sangue”, descreve. No final do quinto mês de gravidez, “em plena Semana Santa”, a 8 de março de 2013, Ana entra em trabalho de parto e nasce, já sem vida, Maria. “Foi um choque muito grande. Era uma gravidez em que os dois estávamos muito envolvidos, já a sentíamos mexer, o Diogo já interagia muito com ela, já tínhamos o quarto pronto, mas as coisas anteciparam-se e ela nasceu sem vida…” Nesse verão de há 3 anos, Ana volta a engravidar “e novamente no final de cinco meses de gravidez aconteceu exatamente a mesma coisa”. A 23 de dezembro de 2013, “em pleno Advento”, nasceu, desta vez com vida, o Francisco, que era, no entanto, “muito pequeno e não resistiu”.
Ana Mansoa tinha um grande mioma no útero, “que alguns médicos entenderam poder justificar” o que aconteceu nas duas gravidezes. Esta jovem enfermeira salienta que, após a segunda perda, os médicos perceberam que o mioma não era a causa. “Era uma questão fisiológica: eu tinha uma incompetência cervico-ístmica, que é, basicamente, a incapacidade de o útero conseguir manter-se fechado até ao final da gravidez. O que acontece é que, chegando ao quinto mês, às 20 semanas, entra-se em trabalho de parto, silencioso e sem contrações, e o colo do útero abre”, explica Ana, referindo “não ser uma patologia muito frequente”. No entanto, o diagnóstico só é feito “após a segunda ou terceira perda”.

A fé como pilar
Feito o diagnóstico da incompetência cervico-ístmica de Ana e retirado o mioma em maio de 2014 – “para garantir que não iria interferir em nova gravidez” –, o tempo era de esperança. O jovem casal sabia, contudo, que se voltasse a engravidar, Ana teria de ser submetida a uma intervenção cirúrgica, entre as 13 e as 15 semanas de gravidez, de forma a prevenir que o colo do útero abrisse. “A ideia era encerrar cirurgicamente o colo do útero, cozendo-o. Era uma intervenção com riscos, porque poder-se-ia dar o caso de uma infeção ou de alguma má formação no feto que desse indicação ao útero de que tinha de entrar em trabalho de parto, e o facto de ter os pontos não o permitir, e haver complicações sérias para mim”, lembra.
No Natal desse ano de 2014, Ana Mansoa engravida, fica logo em repouso absoluto, tem perdas de sangue desde o início, como nas gravidezes anteriores, “além de um descolamento de placenta”, que atrasou a cirurgia já programada. “A primeira intervenção não correu pelo melhor, porque os pontos não ficaram bem; duas semanas depois, fiz nova cirurgia e voltou a não correr bem porque o ponto ficou muito abaixo; e novamente passadas duas semanas, já muito perto das 19 semanas de gravidez, e portanto no limite de chegar à fase da incompetência cervico-ístmica, fui submetida à intervenção pela terceira vez”, recorda.
Diogo, o marido de Ana, lembra ao Jornal VOZ DA VERDADE a fé que o casal procurou colocar nesta sua história de vida. “Sabíamos todos os riscos e toda a força que era preciso ter para os meses de gravidez e todo o enfrentar das situações ao longo do percurso. A certeza, digamos assim, era apenas uma: seja como for que decorra, vai correr bem. Nós estamos juntos, a 3, a pensar positivamente neste caminho, e a fé impulsionou e segurou-nos, quando já não tínhamos forças. O que aconteceu várias vezes, durante todo este percurso”, relata Diogo, de 31 anos e gestor de marketing, salientando ser “importante haver uma união forte do casal quando é preciso enfrentar estas situações”. Deste tempo, também Ana destaca o poder da oração. “Houve muita gente a rezar por nós, e nós pedíamos às pessoas que não rezassem para que as coisas corressem bem como nós gostávamos que corressem; nós pedíamos às pessoas que rezassem para que, fosse qual fosse o desfecho, nós fossemos capazes de enfrentar o que surgisse e nos conseguíssemos manter firmes e unidos”, lembra. “Emocionalmente foi muito complicado. Era o medo de que tudo voltasse a acontecer. Era o medo de como iríamos reagir, mesmo enquanto casal. Neste tempo, a fé – e a oração – foi o pilar”, garante Ana Mansoa.

Consequência positiva
A pequena Teresinha, a terceira filha deste casal, nasceu então no dia 18 de setembro de 2015, fez recentemente 1 ano e é a alegria destes jovens. Teresa, que era para nascer no dia de Santa Teresinha, a 1 de outubro – “daí o nome Teresa”, refere a mãe Ana –, antecipou em 15 dias a ‘chegada’ para junto dos pais. “Nasceu ótima, de parto normal. Tirámos os pontos uma semana antes, fui para casa e depois as contrações foram muito leves. Foi um trabalho de parto fabuloso!”, descreve a mãe.
Foi após o nascimento da primeira filha do casal, Maria, que desponta em Ana e Diogo o desejo de criarem o projeto A Esperança de Ana. “Depois do nascimento da Maria, sentimo-nos, inicialmente, numa tristeza profunda, mas tínhamos a certeza e sentíamos o apelo de que era preciso fazer alguma coisa com esta experiência de dor. Muito ajudados pela psicóloga Maria José Vilaça, na altura, sentimos que tínhamos de dar algum sentido àquilo que tínhamos vivido e estávamos ainda a viver. Fomos percebendo, ao longo do tempo, que havia muitos casais a passarem por situações semelhantes”, apontam. “Quando aconteceu connosco, procurámos ajuda, dentro e fora da Igreja, e não encontrámos. Percebemos que era um tema doloroso para as pessoas – e também para nós –, que não gostavam que abordássemos. Sentíamos que havia incómodo, até mesmo da parte de sacerdotes, quando procurávamos ajuda. As pessoas não se sentiam à vontade e nem sabiam como nos ajudar”, acrescenta Ana, lembrando o início deste grupo eclesial: “De alguma forma, tínhamos obrigação de tentar fazer algo por outras pessoas que passassem pelo mesmo. Além disso, queríamos que a vinda e a vida da Maria e depois do Francisco tivessem uma consequência positiva. E nasceu esta ideia, de arranjar uma resposta dentro da Igreja”.

Rosto de Igreja
Desde a primeira hora que A Esperança de Ana tem um conselheiro, o padre Jorge Anselmo. “O meu papel é ser rosto de Igreja. Todos somos, na equipa, na medida em que todos estamos ao serviço em nome da Igreja, mas a referência ao sacerdote enquanto rosto da Igreja instituição é importante. Como sacerdote, ser o rosto ministerial de Cristo”, partilha este sacerdote, ao Jornal VOZ DA VERDADE. Na sua vida sacerdotal, o padre Jorge lembra as dificuldades na abordagem aos casais nestas situações de perda de um filho na gravidez ou de infertilidade. “Isto não é um assunto fácil. Muitas vezes os problemas chegam até aos padres através de uma amiga ou de uma avó. Poucas pessoas chegam mesmo à conversa sobre isto, ou então falam passado muito tempo e entretanto viveram muito sós e com muita dor todo o acontecimento”, lembra, destacando o papel que a Igreja pode ter nestas situações: “Fui-me apercebendo da necessidade de os casais se sentirem verdadeiramente acolhidos, compreendidos e acompanhados pela Igreja”. Lembrando que “não basta uma palavra de consolação, mas um acompanhar em continuidade”, este sacerdote sublinha “o desgaste que estas situações provocam nos casais”. “Desgaste esse que pode levar a uma rutura”, alerta. “É necessário que o casal faça caminho, sem criar distâncias. Sendo os dois membros do casal crentes, que seja um caminho na fé, e que essa vivência da dor na fé os una ainda mais. Mais do que pedir que tudo nos corra bem, precisamos pedir que Deus nos dê a força e a sabedoria para lidar com cada circunstância da vida”, aponta.
O padre Jorge Anselmo, de 44 anos, que é também diretor do Sector da Animação Espiritual do Patriarcado de Lisboa, destaca palavras do Papa Francisco na Exortação Apostólica Pós-Sinodal ‘Amoris laetitia’, sobre o amor na família. “Àqueles que não podem ter filhos, lembramos que «o matrimónio não foi instituído só em ordem à procriação (...). E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimónio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida»”, escreveu o Papa.

Confiança para o contacto
Ana Mansoa tem esperança que o segundo ano de vida de A Esperança de Ana seja de “consolidação do projeto”. “Por um lado, temos de chegar às paróquias. Até agora, a nossa forma de divulgação tem sido feita pelos nossos meios, pelos nossos contactos, eventos onde vamos estando presentes, da Pastoral da Família do Patriarcado, entre outros, como vigílias de oração. Mas o nosso principal desafio atualmente é chegar às paróquias e aos párocos, porque eles próprios muitas vezes não têm uma resposta para dar aos casais”, observa Ana, mostrando disponibilidade: “Estamos disponíveis para poder dar formação, sobre estratégias de acompanhamento, a quem acompanha estes casais; e queremos dizer aos padres que existimos, somos um recurso da Igreja para a Igreja e não só”.
O marido, Diogo Silva, sublinha que o desafio tem sido “abrir portas” para que as pessoas os contactem. “Desejamos que as pessoas não tenham receio e sintam confiança para nos contactar. Não percam a esperança no projeto que Deus tem para cada um de nós, enquanto cristão, enquanto família, enquanto lar cristão”, encorajam os ‘pais’ do projeto A Esperança de Ana.

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A Esperança de Ana
Ana Mansoa e Diogo Silva, que pertencem a uma equipa de casais das Equipa de Nossa Senhora, em Monte Abraão, são os ‘pais’ do projeto A Esperança de Ana. “Fomos procurar fundamentos bíblicos para o nome deste projeto e há muitas histórias na Bíblia quer de infertilidade, quer de mulheres que perderam os seus filhos. Ana, mãe de Samuel, foi uma dessas mulheres que, depois de muita oração, acabou por lhe ser concedida a graça de dar à luz Samuel. O nome A Esperança de Ana nasceu aí e não foi muito difícil a escolha”, explica Ana Mansoa.

Informações
Telemóvel: 926748886
Email: esperancadeana@gmail.com

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