Patriarca sobre eutanásia: "É preciso mais presença e companhia, não mais abandono"

RR online 08 Fev, 2016 - 15:51 • Susana Madureira Martins

Em entrevista à Renascença, D. Manuel Clemente vê o manifesto pela despenalização da eutanásia como mais um sinal de uma cultura "individualista".
As questões da vida – quer na gestação, quer na doença e na morte – ultrapassam o leque partidário e não podem depender de personalidades, nem de convicções religiosas, afirma o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.
Em entrevista à Renascença, o também presidente da Conferência Episcopal Portugal olha para o manifesto pela legalização da eutanásia como resultado de uma cultura "individualista".
Está preocupado com a dimensão que esta iniciativa em torno da eutanásia pode tomar e o que pode acontecer em termos legislativos?
Estou preocupado porque tendemos muito em ver isto no sentido do que cada um possa fazer, mas devemos ver como sociedade. Essencialmente, o que é que nós todos devemos fazer porque, como sabemos e os próprios clínicos nos dizem, psiquiatras e outros, muitas vezes as pessoas estão em situação de depressão e, por isso, querem partir.
Nem é tanto por vezes a dor física, que é praticamente atenuada ou resolvida com cuidados paliativos, é mais uma dor de dentro, depressão, vontade de partir. Isso tem de ser correspondido pela sociedade, não eliminando a vida e tentando, assim, evitar o problema, mas respondendo com mais companhia, com mais presença. Este é que é o grande problema e, para mim, a grande preocupação.
Vamos descuidando a vida em gestação e deixamos que se interrompa ou se eliminem vidas quando podiam ser apoiadas as mães e a vida teria seguido o seu curso positivo. Agora, as pessoas estão doentes e estão depressivas, querem partir, então partam e não temos nada a ver com isso. Não pode ser assim! Vejo isto, sobretudo, como um apelo a mais sociedade e mais presença e não como mais abandono, porque abandono já há que chegue. E que sobre.
O facto de termos um Governo e uma maioria de esquerda no Parlamento pode dar mais andamento a esta iniciativa?
Creio que isso não tem tanto a ver com o leque partidário, tem mais a ver com uma cultura ou subcultura que hoje prevalece muito e que vai no sentido individualista e de um grande descaso da parte da sociedade em relação aos problemas concretos no que à vida diz respeito. Isto é que me preocupa mais e que, infelizmente, não está acantonado em nenhum sector partidário, é muito geral.
O facto de o próximo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ser assumidamente católico descansa-o de alguma maneira sobre uma eventual chegada de uma iniciativa destas a Belém?
Estas causas, como disse, mais do que partido A ou B ou do católico ou do crente, são causas humanitárias que nos dizem respeito a todos. Por vezes, até em pessoas que não são de credo católico encontro afirmações mais definidas pró-vida do que noutros em que esperaria encontrar, de maneira que não vou resumir isto à personalidade A ou B.
Esta é uma matéria referendável?
Tenho uma certa dificuldade em considerar isso. Como é que podemos referendar causas que são básicas e comuns, problemas e direitos que são essenciais a todos? Tenho muita dificuldade em ver referendos a isso e, se se fizer, que se faça correctamente porque, por exemplo, nos dois referendos sobre a liberalização do aborto nunca se fez a pergunta que se devia ter feito: "Qual é o empenho que nós como sociedade queremos mesmo dar à vida em gestação?”. Esta pergunta nunca foi feita.

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