“Eu só posso rezar”: Bento XVI a Vittorio Messori, sobre a vida da Igreja

Misericórdia em 
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Nos dias que antecederam a viagem do Papa Francisco à Cuba e aos Estados Unidos, Vittorio Messori, autor do livro-entrevista Informe sobre a Fé (1984), com o Cardeal Joseph Ratzinger, e Cruzando o Limiar da Esperança (1994), com João Paulo II, publicou o relato de seu recente encontro com seu velho amigo Joseph Ratzinger.  Esse relato é fonte de grande serenidade. Apresentamos a sua tradução a seguir:
Uma manhã, na ermida de Papa Emérito
A manhã de quarta-feira, 9 de setembro, na Porta de Santana, no Vaticano, entrei em um carro no qual um oficial da Guarda Suíça, circulando pelo labirinto de avenidas dos célebres jardins, levou-me ao Mosteiro chamado Maria Mater Ecclesiae. Como sabem, este é o lugar escolhido pelo Papa emérito para viver rezando e estudando após a sua clamorosa renúncia. Uma das quatro Memores Domini (a família religiosa inspirada por Dom Luigi Giussani) que cuidam de Bento XVI me deu boas-vindas e me fez passar a uma sala do primeiro piso, de onde se vê toda a Cúpula [da Basílica de São Pedro]. Alguns minutos mais tarde, tomei o elevador e me encontrei diante de um Bento XVI só, sorridente, esperando-me na porta de seu escritório.
Amigos que se vêem pouco
Minha colaboração profissional primeiro, e posterior amizade com Joseph Ratzinger se remonta a início dos anos 80 quando, juntos, preparamos aquele Informe sobre a fé que escandalizou toda a Igreja. A partir de então, vimo-nos muito frequentemente. Porém, quando foi eleito Papa, respeitei seus opressivos compromissos, não pedi audiência e só o vi uma vez, quando ele mesmo quis ver-me depois da publicação de Por que creio, livro que acabava de escrever com Andrea Tornielli.
Depois, respeitei sua aposentadoria, mas, é óbvio que o convite, que me chegou através de seu secretário, para voltarmos a nos ver e conversar entre nós, em confiança, causou-me imenso prazer. Desde que me chegou este convite, pensei que era meu dever não colocá-lo em situação incômoda com perguntas de jornalista indiscreto, como sua relação com seu sucessor ou os “verdadeiros” motivos de sua renúncia. Portanto, peço que se abstenham os habituais amantes de intrigas e conspirações que pensam que por detrás deste encontro haja um “ir saber o que motivou”.
O espírito pronto, a carne fraca
Enquanto me inclinava para beijar-lhe a mão (como requer uma tradição que respeito, sobretudo quando se intenta reduzir o papel e a figura do Sumo Pontífice), Sua Santidade me colocou uma mão sobre a cabeça, impondo-me uma benção que acolhi como um grande dom. Com a outra mão, se apoiava sobre um andador com rodas; já não pode passar com seu secretário pelos jardins. Sua capacidade de locomoção está tão limitada que para sair tem que usar uma cadeira de rodas, enquanto que em casa anda só poucos metros apoiando-se no andador. Pode-se ver a magreza do corpo sob a batina branca.
Por outro lado, o rosto não demonstra, absolutamente, seus quase 90 anos: é o rosto de sempre, de eterno menino, que lhe é contrastada pela coroa de cabelos brancos e a vivacidade de seus olhos claros. Em suma, “belo”, como sempre foi o seu rosto. E belas são também sua lucidez intelectual e a atenção que presta ao interlocutor.Spiritus promptus, caro infirma: a citação vem à mente espontaneamente, estando ao lado deste “espírito” prisioneiro de uma “carne” que se cansa ao levá-lo.
CITTA' DEL VATICANO: IL PAPA EMERITO BENEDETTO XVI  E  IL FRATELLO GEORG RATZINGER,  SONO COSTRETTI AMBEDUE AD UISARE IL DEAMBULATORE PER CAMMINARE,MENTRE FANNO UNA BREVE PASSEGGIATA SU UN TERRAZZO, ACCOMPAGNATI DAL FEDELE PADRE GEORG GANSWEIN.      ESCLUSIVO foto ALESSANDRO FOGGIA
Faz um ano, as fotos de Oggi revelaram que Bento XVI necessitava um andador para caminhar. Agora, inclusive isso é impossível fora de casa.
Sentados na beira de duas poltronas próximas — para driblar, aproximando-nos, uma diminuição de sua audição –, falamos durante mais de uma hora. Como disse antes, não fiz questões evidentes ou demasiado fáceis. Em troca, ele me fez muitas. Escutou-me com atenção quando, a seu pedido, tentei fazer-lhe uma síntese da situação eclesial tal como a vejo hoje. Ao final, disse-me: “Eu somente posso rezar”.
Rezando todo o dia
Todavia, pedi-lhe que nos desse um presente: um De Senectute de memória ciceroniana, mas, obviamente, numa perspectivas cristã; mais, católica, em que ele mesmo narre sua experiência de velhice, frequentemente dolorosa, e a abertura à eternidade, sobre a verdadeira vida que nos espera a todos. Uma ocasião preciosa para afrontar o tema dos Novíssimos, que foram eliminados por uma Igreja preocupada somente com o bem-estar para todos nesta vida, mais do que com a salvação eterna.
Sacudiu a cabeça e respondeu: “Seria algo precioso; várias vezes denunciei esse esquecimento da morte, essa eliminação da eternidade com o que nos espera ‘depois’. Mas você sabe que estou acostumado a raciocinar como teólogo, a filtrar a realidade através das categorias filosóficas; consequentemente, não poderia escrever nada a não ser dessa forma. Em todo caso, faltam-me forças para realizar uma tarefa como essa”. E depois: “Meu dever para com a Igreja e o mundo, tento cumprir com uma oração que ocupa todo o meu dia”. Oração mental ou verbal, Santidade?, ocorreu-me perguntar, talvez banalmente. Sua resposta foi imediata: “Sobretudo verbal: o rosário completo, com seus três mistérios; depois os salmos, as orações escritas pelos santos e as passagens bíblicas e invocações do breviário”. A oração mental é proporcionada por suas muitas leituras de textos de espiritualidade, que se unem aos de teologia e exegese bíblica.
Mas, permitam-me dizer, desafiando a suspeita de vaidade de minha parte: ele quis me agradecer por um livro em particular, a investigação sobre a paixão de Cristo — Padeceu sob Poncio Pilatos? — que não somente cita, mas que recomenda em seus primeiros volumes sobre a trilogia dedicada a Jesus e publicada quando era pontífice. Obviamente, como autor, causou-me felicidade; não só por mim, mas também pela apologética demonizada depois do Concílio a ponto de eliminar o seu nome dos seminários (“Teologia fundamental” é o nome que se lhe deu o clericalmente correto), mas que é indispensável para aquilo que Ratzinger sempre insistiu, primeiro como teólogo e depois como Papa, ou seja, como guardião supremo da fé, a saber: a possibilidade e a necessidade de não colocar em contraste, mas, sim, em mútua colaboração, a razão e a fé, o intelecto e a devoção.
Falamos de outros temas, porém, a esse respeito, é necessária uma discrição obrigatória. Tenho que acrescentar — com um sorriso irônico, dirigido aos que continuam pensando em um encontro turvo entre conjurados — que, apesar de já ter chegado a hora do almoço, inclusive, já ter se passado, não veio nenhum convite para almoçar. Disseram-me que Bento XVI como pouquíssimo (“como um pardal”) e sozinho, vendo, vez em outra, o telejornal; isto é, raramente tem comensais.
Em suma, o que tenho a dizer aqui certamente não é clamoroso. Se pensei em escrever a respeito, é para consolar os leitores: bem ao lado do túmulo de Pedro há um ancião admirável que durante oito anos guiou a Igreja e que agora não tem outra preocupação senão de rezar por ela. Com compromisso, mas sem angústia. Ou seja, sem esquecer-se jamais de que os Papas passam, mas a Igreja permanece, e de que até o final da história ecoará a exortação de sua verdadeira Cabeça e Corpo a nós, pusilânimes: “Não temais, pequeno rebanho, esta barca não afundará e, apesar das tempestades, permanecerá até a minha volta”.

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