Os muros do parlamento
Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.10.24
Depois descobri o PS na sua verdadeira essência. No PS de hoje só há um denominador comum: um passado
Nos quatro anos que estive no Parlamento aprendi várias coisas: umas importantes, outras enriquecedoras e algumas traumatizantes. Entre elas aprendi que o exercício da actividade política é verdadeiramente livre e que os deputados têm mais responsabilidade do que poder. Aprendi que em apenas três minutos se consegue dizer os maiores disparates e fazer os discursos mais brilhantes. Aprendi que a oratória é uma arte, mas que ninguém é verdadeiramente prisioneiro das suas palavras. Aprendi que as mentes mais brilhantes podem ser cilindradas no hemiciclo e que os mais medíocres podem ser campeões de popularidade. Aprendi o que é desonestidade intelectual (todos os argumentos servem para defender uma mentira) e que a honestidade intelectual é quase um bónus. Aprendi que os insultos pessoais, afinal, não são pessoais mas apenas uma mera prática parlamentar e que, na luta política, a ironia e o sarcasmo são uma mais-valia, tal como na comédia. Também aprendi outra definição de democracia: democracia é convivermos todos ao pequeno-almoço e falar cordialmente uns com os outros na fila da cantina, cinco minutos depois de nos chamarem ladrões, fascistas, mentirosos, radicais, etc. Pois os insultos são políticos, e não pessoais.
Aprendi ainda outra coisa: se no país a clivagem entre esquerda e direita mal se percebe, dentro do parlamento a fronteira é bem definida. Ali, o muro ainda não caiu. Os debates, as propostas, as declarações dos partidos mais à esquerda são, de facto, radicais, extremados, contra a economia de mercado, contra a liberdade de escolha, contra a iniciativa privada, contra a família como conceito ancestral, contra, em muitos casos, o Estado democrático. Todos os dias aparece mais uma proposta vinda dessas bancadas da esquerda que comprovam tudo isto. Todas elas apimentadas com raiva e ódio a uma suposta direita reaccionária que esta esquerda mantém viva nas suas abstracções para garantir a sua própria existência.
Depois descobri o Partido Socialista na sua verdadeira essência. No PS de hoje só há um denominador comum: um passado. De resto, é um cocktail de emoções. Há deputados que se podiam sentar à esquerda do Bloco de Esquerda, deputados mais sociais-democratas que muitos militantes do PSD e deputados que agradeciam poder estar sentados na bancada do CDS quando se discutem as chamadas questões fracturantes. O PS deste parlamento é qualquer coisa indefinida que ainda é um conceito porque tem em comum o dito passado. Sem ele, seria nada.
Durante estes quatro anos foram os deputados bloquistas do PS que se evidenciaram. Foram eles que falaram mais alto, foram eles que correram com o anterior líder do Largo do Rato e foram eles que deram palco e voz e que emprestaram credibilidade democrática aos devaneios do BE. E é esta credibilidade que explica tudo o que se está a passar desde o dia das eleições. Nos últimos anos, o PS não só não derrubou o muro como andou encavalitado no cimo dele, fazendo eco do ódio e da raiva que caracterizam os resistentes radicais do nosso hemiciclo. No entanto, e apesar de todas as excitações que apenas serviram para animar o debate parlamentar e catapultar a esquerda bloquista do PS para a primeira fila, o PS tem um programa e tem eleitores. Um programa que não tem nada em comum com a esquerda radical e eleitores que votaram nesse programa. E é esta incoerência, esta desonestidade política que está hoje em debate. Foi isso que Cavaco Silva veio dizer: brincar aos políticos não é o mesmo que fazer política. E o PS anda há tempo demais a brincar aos políticos. Até ao dia em que deixar de ser um conceito, de ter programa e de ter eleitores. A verdade, e isto também aprendi no parlamento, é que nem o PS nem o país precisam ou merecem um PS bloquista.
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