Encruzilhada à esquerda
José Luís Ramos Pinheiro
RR online 21 Out, 2015
Costa está hoje muito mais condicionado e dependente de terceiros do que na noite eleitoral. De facto, as aparências iludem.
Para um deputado socialista que não morra de amores pela aliança com PC e Bloco, o que é mais fácil: viabilizar um governo da coligação vencedora das eleições ou votar contra um Governo chefiado pelo seu secretário-geral?
A resposta a esta questão deve estar no espírito de António Costa quando pede ao Presidente da República que não perca tempo a indigitar Passos Coelho.
Se António Costa for desde já indigitado primeiro-ministro, torna-se mais difícil aos deputados socialistas renitentes votarem contra um Governo, apesar de tudo chefiado pelo líder do seu próprio partido.
Mas se couber a Passos Coelho a formação do Governo, os mesmos deputados socialistas que entendem politicamente errada a aliança com Bloco e PCP terão a vida mais facilitada: se porventura se abstivessem, estariam apenas a viabilizar a força política que ganhou as eleições com 107 deputados, evitando a constituição de um Governo cozinhado à esquerda, no qual também não acreditam. Seria seguramente mais cómodo viabilizar um Governo do vencedor eleitoral do que derrubar um primeiro-ministro do seu próprio partido.
Dito de outro modo: “as tensões no PS”, como já lhes chamou Catarina Martins, poderiam inviabilizar à partida uma aliança de esquerda, caso Passos Coelho viesse a ser chamado a formar Governo.
Se a posição de António Costa é frágil, mais débil ficaria se o Governo de Passos fosse porventura viabilizado pela posição adoptada por alguns parlamentares socialistas. Por isso, a indigitação de Passos como primeiro-ministro é uma decisão de alto risco, para o caminho estreito que António Costa escolheu.
Por outro lado, e como se esperava, o PCP já veio explicar que não está aqui para assistir de braços cruzados ao “show” da dupla Costa/Catarina. À saída de Belém, após audiência com o Presidente, o normalmente afável Jerónimo de Sousa não permitiu perguntas; e, deste modo, não deu esclarecimentos sobre as negociações com o PS.
Mas quanto à durabilidade de um Governo à esquerda, o líder do PCP disse o necessário: a nova solução será tanto mais duradoura conforme defender os interesses nacionais. Estamos conversados. Governo para quatro anos de legislatura? Nada disso. Um Governo de Costa só durará enquanto o PCP, cujos critérios são conhecidos, entender que os interesses nacionais estão acautelados.
Assim, estão por explicar as garantias de estabilidade que António Costa foi dar antecipadamente a Cavaco Silva, baseado em acordos não concluídos, em compromissos desconhecidos e que a Comissão Política do PS também (ainda) não aprovou.
Ameaçado por um PCP que exigirá na rua o que o PS não lhe quiser dar em São Bento, apertado por um Bloco de Esquerda que só descansa quando ocupar a posição do PS no xadrez político, e olhado com desconfiança por muitos socialistas que não gostariam de ver o seu partido envolvido num projecto político que não foi votado nas urnas, António Costa está hoje muito mais condicionado e dependente de terceiros do que na noite eleitoral. De facto, as aparências iludem.
PS: As diferentes posições do Bloco (protestar junto de Luanda), do PCP (nada de ingerências num país soberano) e do PS (silêncio) sobre o caso do activista luso-angolano Luaty Beirão constituem uma pequena amostra do que seria a política externa de um Governo formado com estes três partidos.
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