Nada te perturbe, nada te espante!
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador24/10/2015
Santa Teresa de Ávila, no seu 500º aniversário, fala do Sínodo sobre a família e da situação política do mundo e de Portugal.
Santa Teresa de Ávila ou, como se chamava religiosamente, Teresa de Jesus, ou ainda, civilmente, Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, foi monja da Ordem do Carmelo. Com São João da Cruz, fundou a observância dos descalços e ambos foram autores de obras de grande mérito espiritual e literário. Teresa de Ávila é também a primeira mulher doutora da Igreja, título que, até então, fora apenas atribuído a eminentes teólogos.
— Mesmo sabendo que, para quem já está na eternidade, o tempo não é importante, muito obrigado pela disponibilidade e muitos parabéns pelo aniversário! Começando pelos primeiros anos da sua vida, como descreve o seu ambiente familiar? É verdade que, em sua casa, era a ‘menina do papá’?
— Éramos três irmãs e nove irmãos. Por bondade de Deus, todos se pareceram com os pais, em ser virtuosos, menos eu, embora fosse a mais querida de meu pai.
— Com doze anos apenas, perde a sua mãe. Como reagiu à sua morte prematura?
— Procurava solidão para rezar as minhas devoções que eram muitas, em especial o Rosário, do qual a minha mãe era muito devota e assim nos fazia sê-lo.
— Que conselhos daria aos pais do século XXI?
— Considero algumas vezes o mal que fazem os pais em não procurar que seus filhos vejam sempre – e de todas as maneiras – coisas de virtude. Porque, com ter tanta minha mãe, como disse, de bom não tomei muito, nem quase nada – chegando ao uso da razão – e o mal causou-me muito dano. Se eu houvesse de aconselhar, diria aos pais que, nesta idade, tivessem grande cuidado com pessoas com quem seus filhos falam. Daqui vem muito mal, porque o nosso natural mais tende para o pior do que para o melhor. Assim me aconteceu a mim.
— É nessa altura que se torna uma leitora compulsiva de romances de cavalaria?
— Comecei a ficar com o costume de os ler. Não me parecia mal o gastar muitas horas do dia e da noite em tão vão exercício, embora às escondidas de meu pai. Era tão em excesso o que nisto me embebia que, se não tivesse livro novo, não tinha – a meu parecer – contentamento.
— Ao mesmo tempo, começa a viver um período de uma certa frivolidade …
— Comecei a trazer galas e a desejar agradar, parecendo bem, a ter muito cuidado com as mãos e cabelo, perfumes e todas as vaidades que nisto podia ter. E eram muitas, por ser muito requintada.
— E até alguma má companhia …
— Espanta-me, algumas vezes, o dano que faz uma má companhia e, se eu não tivesse passado por isto, não o poderia crer; no tempo da juventude, em especial, deve ser maior o mal que causa… De tal maneira me mudou esta convivência que, do meu natural virtuoso, não me ficou na alma quase nenhuma virtude.
— Para contrariar essa amizade perigosa, foi mandada pelo seu pai para o convento de Nossa Senhora das Graças. Como reagiu?
— Os primeiros oito dias senti-os muito, e mais pela suspeita de que se tivesse percebido a minha vaidade do que por estar lá.
— Até ao ponto de, graças à influência de uma boa religiosa, lhe começar a agradar a hipótese de tomar hábito, ideia a que, ao princípio tinha sido tão avessa …
— Começou esta boa companhia a desterrar os costumes que a má tinha feito, a tornar a pôr no meu pensamento desejos das coisas eternas e a tirar algo da grande repugnância que eu tinha em ser freira, que se me tinha tornado grandíssima.
— É então que adoece gravemente e vai descansar para casa de um tio. Essa interrupção na sua vida religiosa, que reflexões lhe suscitou?
— Que tudo era nada, a vaidade do mundo, como acaba em breve, e a temer, se tivesse morrido, de ter ido para o inferno. E, embora a minha vontade não acabava de se inclinar a ser freira, vi, no entanto, que era o melhor e mais seguro estado e assim, pouco a pouco, determinei-me a forçar-me para o tomar.
— E muito teve que se esforçar quando, a 2 de Novembro de 1535, sai de casa para ingressar no convento carmelita da Encarnação, em Ávila, contrariando o seu pai.
— Recordo-me, e a meu parecer com toda a verdade, que quando saí de casa de meu pai foi tal a aflição, que não creio que será maior quando eu morrer. Parece que cada osso se me apartava de per si, pois, como não tinha amor de Deus a contrabalançar o amor de pai e parentes, fazia-me tudo uma força tão grande que, se o Senhor não me ajudasse, não teriam bastado as minhas considerações para ir por diante. Aqui deu-me o Senhor ânimo contra mim, de maneira que o pus por obra.
— No seu livro Caminho de Perfeição, escreveu que “os juízes do mundo são todos varões”. Que consideração lhe merecem os homens, nomeadamente os clérigos?
— Não há virtude de mulher que não tenham por suspeita!
— Como primeira doutora da Igreja, que diz da formação teológica dos fiéis?
— Espírito que não vá fundado, desde o começo, na verdade, eu mais o quisera sem oração. Grande coisa é ter letras … De devoções a tontas, livre-nos Deus!
— Como vê o futuro da Igreja?
— Vejo os tempos de tal maneira, que não é motivo para rejeitar espíritos virtuosos e fortes, ainda que sejam de mulheres.
— A Igreja e o mundo vivem actualmente tempos agitados: basta pensar no Sínodo dos Bispos para a Família, bem como no nosso país. Que diria a alguém muito preocupado pelo futuro da Igreja, de Portugal e do mundo?
— Nada te perturbe, nada te espante. Tudo passa. Só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Só Deus basta.
Todos os textos de Santa Teresa são citações literais (cfr. Pe. Jeremias Carlos Vechina, ocd, Prefácio, in Poemas de Santa Teresa de Jesus, Alêtheia Editores, Óbidos 2015, págs. 5-46).
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