“Centro Vital”: alicerce das democracias
JOÃO CARLOS ESPADA Público 19/10/2015
Nunca houve “frentes populares” nem “frentes nacionalistas” nas democracias de língua inglesa — e estas nunca caíram.
Três livros acabam de ser publicados sobre o perene mistério da ascensão e queda das democracias europeias na primeira metade do século XX.
Ian Kershaw, o célebre biógrafo britânico de Hitler, é o autor de To Hell and Back: Europe, 1914-1949 (Allen Lane); de Heinrich August Winkler, distinto historiador social-democrata alemão, acaba de sair a edição inglesa The Age of Catastrophe:A History of the West 1914-1945 (Yale University Press); finalmente, em português, a excelente colecção Estudos Políticos, dirigida por Pedro Tavares de Almeida nos Livros Horizonte, acaba de publicar uma antologia de textos de Juan Linz, com prefácio de António Costa Pinto, intitulada Autoritarismo e Democracia.
Um dos temas centrais, que é comum aos três livros, é o que designei por mistério da ascensão e queda das democracias europeias nos anos 1920-30.
Em 1918, no final da I Guerra, havia na Europa 28 democracias. O fenómeno foi celebremente classificado em 1921 por um autor britânico, James Bryce, como o da “aceitação universal da democracia como a forma normal e natural de governo.”
No entanto, em 1925, as 28 democracias tinham passado para 20; em 1933, eram 15; e em 1938, apenas 10. Pouco depois do desencadear da II Guerra pela aliança nazi-comunista — em Setembro de 1939, com a brutal dupla invasão da Polónia — resistiam duas democracias na Europa: a Suíça e o Reino Unido.
Os três livros acima citados sublinham a importância crucial deste fenómeno. E todos discutem os inúmeros factores que terão contribuído para o colapso das democracias europeias. Curiosamente, todos estão de acordo em sublinhar a dimensão cultural do fenómeno.
Juan Linz afirma que “não podemos compreender a crise europeia sem recordar que a primeira metade do século XX foi ‘a era das ideologias’. A revolução russa tinha criado a utopia comunista como alternativa ao socialismo democrático. O fascismo italiano tinha inventado uma alternativa para o nacionalismo burguês que parecia assegurar um caminho mais rápido para a modernidade do que a democracia ‘formal burguesa’ e ‘decadente’” (p.73).
Os três autores sublinham a erosão dos partidos do centro-esquerda e do centro-direita. Estes partidos foram sendo gradualmente substituídos pelos seus rivais da extrema-esquerda, os comunistas, e da extrema-direita, os fascistas e os nacional-socialistas, bem como outras correntes de teor autoritário.
O fenómeno é particularmente relevante porque contrasta vivamente com o que ocorreu nas democracias de língua inglesa: Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e EUA. Aqui, os extremos não conseguiram crescer. Os partidos comunistas e fascistas nunca tiveram qualquer expressão significativa.
Porquê? Haverá seguramente vários motivos, entre os quais o sistema eleitoral baseado em círculos uninominais, como sublinhou Karl Popper. Mas um é incontornável: porque os partidos moderados da esquerda e da direita nunca pactuaram com os partidos extremistas da esquerda e da direita. Eles nunca deixaram de denunciar a natureza autoritária e anti-democrática do comunismo ou do fascismo. Nunca aceitaram a “normalização” ou “banalização” dessas ideologias revolucionárias. Por outras palavras, nunca houve “frentes populares” (ou “maiorias de esquerda”), nem “frentes nacionalistas” nas democracias de língua inglesa — e estas nunca caíram.
Esta comum determinação anti-revolucionária dos partidos centrais foi designada por “centro vital”. Mas essa comum determinação do centro vital não deve ser confundida com alianças de governo ao centro. Nos países de língua inglesa, a norma tem sido sempre a rivalidade e alternância entre partidos do centro-direita e do centro-esquerda, raramente a aliança entre eles.
Por esse motivo, é um engano paroquial opôr o conceito de “centro vital” ao conceito de “bipolarização”. Ambos são perfeitamente compatíveis. O que o centro vital garante é que a bipolarização — isto é, a concorrência e alternância entre partidos da direita e da esquerda — se processa entre partidos do centro-direita e do centro-esquerda, com exclusão dos extremos de cada lado.
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