Anti-democrático e anti-europeu

João Marques de Almeida
Observador, 2015.10.24

Se Costa chegar a S. Bento, será o único PM na história da democracia portuguesa que conquistou o poder durante a “suspensão da democracia”: os seis meses em que não pode haver eleições parlamentares.
1. Quem diria que seria o PS a aproveitar a “suspensão da democracia” de que um dia a antiga líder do PSD, Ferreira Leite, falou. António Costa só está a tentar chegar ao poder de um modo ilegítimo porque, devido a razões de calendário, o Presidente da República não pode dissolver o Parlamento. Se Cavaco pudesse marcar eleições antecipadas, Costa já se teria demitido. Aliás, o sorriso de oportunista com que se apresentou na noite das eleições denotava a oportunidade que viu no facto da Constituição Portuguesa impedir eleições parlamentares durante seis meses. Se Costa chegar a S. Bento, será o único primeiro-ministro na história da democracia portuguesa que conquistou o poder durante a “suspensão da democracia.”   
O aproveitamento da “suspensão da democracia” torna-se ainda mais significante se recordarmos o modo como Costa chegou a líder do PS. Foi eleito em directas no partido como “candidato a PM” e não como líder do PS; essa eleição em Congresso só se realizou mais tarde. Ou seja, Costa foi eleito pelos socialistas como candidato a PM. Formalmente, foi nessa condição que concorreu às eleições legislativas de 4 de Outubro. Qualquer socialista que negue isto, desrespeita as regras do seu próprio partido. Ora o candidato do PS a PM foi rejeitado por 68% dos portugueses. Uma super-maioria qualificada de portugueses disse claramente, através do voto, que não quer Costa como PM, e mesmo assim ele está a fazer tudo para ignorar a vontade dos portugueses.
Os partidos de esquerda argumentam que juntos representam uma maioria de cerca de 60% dos portugueses que rejeitaram a coligação de direita. Formalmente, é verdade. Mas este argumento transforma uma das regras elementares da democracia portuguesa: a possibilidade de haver governos minoritários. A partir de agora, não voltará a haver governos minoritários, nem mesmo do PS. Os portugueses agora sabem que ou elegem uma maioria de direita (PSD e CDS) ou uma maioria de esquerda (PS, BE e PCP). Será o resultado do que muitos chamam a “bipolarização perfeita” do sistema partidário. Mas à esquerda será o BE a beneficiar. O PS será o principal derrotado; e o PCP também perde. Na história da democracia portuguesa, o PS foi o partido que mais vezes formou governos minoritários. De certo modo, a sua posição de charneira permitia-lhe ser o único partido com capacidade para formas governos minoritários mais ou menos duradouros. Esse privilégio acabou. Os partidos de direita nunca mais permitirão que o PS reconquiste a sua posição tradicional de charneira do sistema político. O PS deixou de ser um partido com um estatuto especial e passou a liderar a maioria de esquerda num sistema “bipolar perfeito.”
Neste contexto, muita coisa mudará à esquerda e o PS poderá deixar de ser o líder natural da esquerda portuguesa. Ao mesmo tempo que a esquerda fala em “unidade”, os três partidos estão a competir para se enfraquecerem mutuamente. Por isso, todos eles apresentaram candidatos a Belém. As eleições presidenciais continuarão a luta política entre os partidos de esquerda; mesmo que todos façam campanha contra o “candidato da direita”, Rebelo de Sousa. E a revolução na esquerda poderá ser visível mais cedo do que se espera. Se Costa insistir na sua estratégia de destruição do PS, e impedir Sampaio da Nóvoa de desistir (para não ser forçado a apoiar Maria de Belém), a candidata do BE, Marisa Matias, poderá ficar à frente dos dois candidatos apoiados pelo PS. Será o início da “Pasokização” do PS.
2. Além de ser anti-democrático, um governo do PS, do BE e do PCP será igualmente anti-europeu. Nas últimas duas semanas, assistimos à farsa de ver líderes do grupo socialista do Parlamento Europeu a apoiar um governo de “unidade de esquerda” em Portugal. Um deles foi o Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz. É lamentável que Schultz defenda para Portugal o oposto do que ele pratica em Bruxelas. Entre a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu existe um acordo de governação entre os socialistas e o PPE (grupo do PSD e do CDS). Aliás, os socialistas europeus referem-se ao grupo de extrema-esquerda, onde estão o PCP e o BE, como “anti-europeus”. Eu já ouvi Schultz referir-se ao grupo parlamentar do BE e do PCP como “radical e contra a Europa”. Mas a arrogância dos socialistas em Bruxelas acha que um pequeno país da periferia pode fazer experiências que na “Europa” são simplesmente proibidas. 
Pelo contrário, os líderes socialistas europeus que contam (os nacionais e não os do Parlamento Europeu) devem oscilar entre a irritação e a perplexidade. Por exemplo, o líder do PSOE deve estar furioso. Costa acabou de dar um dos melhores argumentos de campanha a Rajoy: “se votarem no PSOE, estão a votar no Podemos.” Pobre Pedro Sanchez. Terá que passar a campanha a dizer que não fará o que fez Costa.
Os outros dois países onde há PMs socialistas, a França e a Itália, os seus executivos estão a governar ao centro e não à esquerda. Ou seja, em termos estratégicos, o líder do PS estará isolado na Europa. Se chegar a PM, desconfio que o seu grande amigo no Conselho Europeu será Tsipras, não serão Hollande nem Renzi. E não será por acaso. Um governo do PS, do BE e do PCP, será mais um a dizer que é a favor do Euro e da UE, mas contra a “austeridade”. Recordam-se como acabou a último que disse isso? Com os bancos fechados e com um novo resgate. Mas há duas diferenças entre Portugal e a Grécia. A primeira diz respeito à legitimidade democrática: Tsipras ganhou as eleições, Costa perdeu-as. Em segundo lugar, a tolerância em relação a uma “segunda Grécia” será menor do que foi em relação à Grécia. Se as coisas correrem mal, Costa bem poderá telefonar ao seu “amigo Schulz”; nada adiantará. Em questões de dinheiro, ele concorda com Merkel.
O PS escolheu ainda aliar-se a partidos anti-europeus num momento em que a UE e a zona Euro passam por transformações significativas, que poderão mesmo levar a uma redefinição de fronteiras e de membros. Há muitas vozes no norte da Europa – incluindo na Alemanha – que querem uma zona Euro mais pequena. Não haja ilusões. Há um limite para a França impedir uma estratégia de fortalecimento do Euro através da redução dos seus membros. Se um governo francês for obrigado a escolher, estará ao lado da Alemanha, incluindo um governo socialista. A melhor maneira de derrotar esta estratégia é não dar oportunidade aos seus defensores de convencerem o governo alemão a adoptá-la. O governo de Passos percebeu isso. Costa nem sabe o que se passa na Europa. O mundo dele é a Câmara de Lisboa.
Costa gosta de declarar que o “PS é o grande partido europeísta em Portugal.” Deixou de o ser. Costa começou o caminho que levará o PS a transformar-se num partido anti-Euro (ou seja anti-europeu). Se Costa for PM, enfrentará um dilema fatal. De um lado, a falta de legitimidade democrática leva-o a depender do apoio do BE e do PCP para evitar eleições. Uma eleição será a última coisa que ele deseja: será o momento em que os portugueses julgarão a sua usurpação do poder. Por isso, fará o que o BE e o PCP quiserem. Por outro lado, o seu governo terá que cumprir as regras e os compromissos da zona Euro. O que o BE e o PCP não permitirão. Em São Bento, Costa estará sempre a ter de decidir entre perder o apoio do BE e do PCP ou violar as regras do Euro. Enquanto as finanças públicas permitirem, escolherá o apoio da extrema esquerda contra a UE. Quem tudo faz para chegar ao poder, tudo fará para ficar no poder.
Nos próximos meses, a escolha para Portugal será a seguinte: novas eleições na Primavera entre a coligação PSD-CDS e a coligação PS-BE-PCP, para sair da crise política. Ou um governo anti-democrático e anti-europeu que levará o país para um segundo resgate. Por vezes, na política não há terceiras vias.

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