Superior interesse da criança

Inês Teotónio Pereira | ionline 2015.05.09

Há uns tempos encontrou-se a frase-chave que resolve todos estes dilemas: o superior interesse da criança

Hoje em dia, as pessoas gostam tanto mas tanto das crianças que pensam mil vezes antes de ter filhos. Eu percebo. A angústia de pensar que não se consegue dar tudo o que eles merecem, de não se conseguir ser uma mãe perfeita, de não se conseguir fazer com que os nossos filhos sejam as pessoas mais felizes do planeta é penosa. Não há tempo, não há dinheiro, não há casa, não há ajudas e não há certezas quanto ao futuro. E as crianças merecem certezas, tempo, conforto e a melhor educação. É um direito que lhes assiste e nós, pais, como únicos responsáveis pelo seu nascimento, temos o dever de lhes proporcionar tudo isso. Ou então, na dúvida, tínhamos tido juízo.
Mas, ainda assim, vamos tendo filhos. Poucos, mas lá nascem alguns. E nascem não por uma questão moral ou de dever, mas porque ser mãe ou pai é, antes de tudo, uma realização pessoal. Não tanto quanto a árvore e o livro, mas ainda faz parte desta trilogia. Mas o pior vem depois. Com os filhos nascidos, o que é que se faz? As crianças são o melhor do mundo, todos adoramos crianças e nenhuma pediu para nascer. Ora, nós somos simples seres humanos, frágeis, imperfeitos e cheios de incertezas. Como conciliar a nossa imperfeição com a perfeição de uma criança?
Há uns tempos encontrou-se a frase-chave que resolve todos estes dilemas: o superior interesse da criança. Ou seja, desde que se tenha em conta o superior interesse da criança, estamos no caminho certo. Como consequência desta teoria, no momento em que se tem filhos, os nossos interesses passam a inferiores e os interesses das nossas crianças a superiores. Nada mais tem interesse, portanto.
Ora, isto traz alguns problemas ao dia-a-dia das famílias, dos pais e da população em geral. É que ninguém tem bem a certeza de qual é o superior interesse da criança e elas não se sabem explicar. Com os direitos da criança, não há dúvidas, e é do superior interesse de todos que eles sejam cumpridos, mas já o interesse traz algumas dúvidas. E daí que seja automática a confusão entre o interesse da criança, o capricho da criança e a dúvida sobre quem o define. Ou seja, sob esta bondosa e necessária teoria do superior interesse da criança é costume deixar que seja ela a definir o seu interesse, e como a criança é apenas uma criança, ela rapidamente transforma o interesse em capricho. É esta a nossa desgraça, deixarmos que sejam as crianças a definir os seus interesses. E isto transforma a nossa vida num caos.
Por exemplo, é de entendimento geral que é do interesse das crianças fazer barulho, fazer birras, só comerem doces, verem televisão quando lhes apetece, partirem o tablet do pai, não dormirem a horas certas, etc. E que este interesse deve condicionar todos os outros. Exagero? Eu explico: o meu filho mais novo, de dois anos, tem o hábito de começar a gritar dois minutos depois de ir para a cama. Interessa-lhe que alguém lhe pegue ao colo e fique com ele ao colo até sua excelência adormecer. Sendo o interesse dele superior ao meu sossego, tenho cedido. Até que um dia deixei-o berrar durante dez minutos, ignorando o interesseiro, e só quando comecei a ter medo que os vizinhos chamassem a polícia é que fui ao quarto dele. Peguei-lhe ao colo, dei-lhe água e a criança caiu no sono que nem uma pedra. Nesse dia, os interesses desse meu filho mudaram. Mais exemplos: as crianças fazem normalmente birras em público porque sabem que todas as pessoas que estão no supermercado zelam pelo seu superior interesse. Por isso, atiram-se para o chão porque lhes interessa empurrar o carrinho, desesperam em frente da prateleira dos doces porque têm interesse em comer chocolates, etc. E nós, pais, como principais responsáveis pelo interesse dos nossos filhos, que é superior, ficamos sem saber o que fazer porque, como se sabe, não é de todo do interesse da criança levar uma palmada.
Pois, a verdade é que o superior interesse da criança tem vindo a tramar a vida aos pais. E daqui me pronuncio contra a definição do superior interesse das pestinhas por elas próprias. Quem sabe qual é o superior interesse das crianças são os pais, seus superiores. As crianças até podem dar sugestões mas, nesta questão, não há democracia. Só assim poderemos um dia viver todos em harmonia e só assim resolveremos o problema da natalidade.

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