A verdade, fundamento do direito

Saragoça da Matta, 2015.05.01

Se se assume que não tem de se descobrir efectivamente aquilo que é, então é o próprio direito que deixa de ter lógica, sentido, legitimidade.
Escrevemos aqui, vai para três anos, que o conhecimento da realidade dos factos, a certeza sobre o “real”, é o pressuposto de que parte toda a acção humana. Ninguém consegue pensar, optar, conduzir-se na vida, se partir do princípio de que tudo com que se depara são inverdades. Por outras palavras, se se assentar em que a Verdade será sempre diversa daquilo que parece ser. Mas se isso é assim “na vida”, como será no mundo do Direito? No campo das decisões dos Tribunais? Poderá viver-se sem verdade? Ou terá mesmo, pela natureza das coisas, de viver-se sem verdade? Esta é uma das questões mais fulcrais a colocar no plano da filosofia do Direito, mas também, necessariamente, no plano da legitimidade do poder jurisdicional do Estado. 
Séculos de preocupação com disciplinar as minudências dos processos e procedimentos levaram-nos a esquecer essa questão filosófica geral. Como se a preocupação com o quotidiano fizesse esquecer as questões fundamentais da existência. Como se a visão das nuvens num pedaço de céu, fizesse esquecer o cosmos em que se integram. 
Ora, na medida em que tem de ter vivência prática, um dos problemas fundamentais do Direito é, fatalmente, a determinação judicial dos factos ocorridos. Como a aplicação prática do Direito se faz através dos processos, esse problema torna-se o problema fundamental do processo. De todos os tipos de processo. Assim que a pergunta a fazer seja óbvia: quando a lei disciplina a marcha de um inquérito, instrução e julgamento penal, quando regula a fase dos articulados, saneamento e julgamento civil, quando se estabelecem processos especiais por oposição aos comuns, qual é o objectivo de tudo isso? Para que existe processo?
Existe processo porque há que aplicar o Direito aos litígios que surgem na vida em comunidade, e, obviamente, porque se entende que esse processo aplicativo tem de ter metodologia, um caminho entre o que se sabe e o que se pretende saber, em ordem a que a final haja o conhecimento efectivo do sucedido, e assim se possa determinar o que é de Justiça no caso concreto. Perante o acertamento daquilo que foi e é em termos de facto, determinar aquilo que deve ser em termos de Direito. 
Ora, se se admitir, sequer por um minuto, que no processo metodológico de averiguação sobre o que efectivamente sucedeu (aquilo que foi e que é), não vai encontrar-se verdade, não pode encontrar-se verdade, não tem por que descobrir-se verdade, i.e., se não vai efectivamente nesse processo saber-se o que foi e o que é, então é a própria lógica subjacente à metodologia processual que rui pela base. 
O Direito, se não for para ser aplicado àquilo que é, não tem ele próprio sentido. E desse modo, também não fará qualquer sentido disciplinar a busca metodológica… i.e., será falho de sentido preocuparmo-nos com o processo. Se se assume que não tem de descobrir-se efectivamente aquilo que é, então é o próprio Direito que deixa de ter lógica, sentido, legitimidade. E esse óbito do Direito acarretará o falecimento do processo, tal como este implicará o fim do judiciário.
Bastar-nos-á a anarquia, o arbítrio, o acaso. 
Esse nunca poderá ser o caminho, se realmente acreditarmos em valores… como o da Justiça!

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