Os “paineleiros” e o polícia
Henrique Raposo, Expresso, 19 de maio de 2015
Meu caro leitor, há tascas mais interessantes do que os famosos painéis que discutem futebol na SIC, TVI e RTP. Nas tabernas, homens desdentados, analfabetos e curtidos pelo tempo conseguem ter conversas mais inteligentes e menos fanáticas do que os bate-boca dos “paineleiros” engravatados. Além de mais interessantes, os taberneiros são também mais livres do que os “paineleiros”, que muitas vezes funcionam como meros ventríloquos das direções das SAD do Benfica, Porto e Sporting. As televisões, meu caro amigo, que andam por aí numa fúria vingadora contra o polícia de Guimarães, são as principais responsáveis pela atmosfera violenta que envolve o futebol. Sim, são as televisões que legitimam esta cultura de ódio e de desconfiança através dos painéis que envenenam há décadas qualquer conversa sobre a bola.
O taberneiro é mais interessante do que o “paineleiro”, mas o curioso é que o segundo recebe dinheiro. O “paineleiro” é pago para ser infantil, é pago para ser conspirativo, é pago que instalar uma atmosfera de desrespeito gratuito pelo adversário, é pago para lançar permanentes suspeitas em relação aos árbitros, é pago para encher centenas de horas de televisão com desdém. Repare no absurdo, meu caro: estas pessoas são pagas para odiar. E, como se esta hegemonia televisiva não fosse suficiente, invadem os jornais desportivos. No papel, não fazem crónicas ou análises. Isso não interessa. Ninguém gosta de ler nesta terra, não é verdade? Vai daí, lançam mais insinuações, mais queixume, mais azedume. Onde devia haver textos sobre o amor ao clube, sobre as memórias afetivas que nos ligam ao futebol, enfim, onde devia haver paixão pela bola, há apenas politiquice.
Não, meu caro leitor, não estou a desculpar o polícia. Quem ferve daquela maneira não pode ter um bastão na mão. Ponto final. Mas este polícia, e todos os outros polícias que têm de controlar o futebol, vivem num contexto. E esse contexto é ditado, em grande medida, pela atmosfera criada e amplificada pelos programinhas dos “paineleiros” e das pessoas que veem os “paineleiros”. Neste sentido, queria muito colocar-lhe uma pergunta: você vê os programinhas? Você acompanha os tais painéis? Se vê, se acompanha, se abana os seus pompons de cheerleader de sofá a cada boutade do seu “paineleiro” favorito, então tenho uma novidade para si: você é tão culpado como o polícia.
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