A metamorfose das Maternidades

André Rebelo, 01/05/2015

A metamorfose vem-se assinalando já há algum tempo. Não é novidade nenhuma. As maternidades têm vindo a desaparecer ao longo dos anos. Porém, assim como as lagartas não desaparecem porque morrem, também não o fazem as maternidades, desaparecem, e isso sim, por metamorfose, para dar lugar a algo novo. No caso das lagartas é para dar vida às borboletas, no que toca às maternidades é para dar lugar aos veterinários. Mas é compreensível. Numa relação conjugal, ambos marido e mulher procuram obter algum prazer, não se esconda esta verdade, todavia, nos tempos passados, quem se dava ao luxo de ter muito prazer, tirava muito luxo à vida, por ter de reparti-lo pelos muitos filhos que, naturalmente, iam aparecendo. No entanto, senhoras e senhores, os tempos não são já assim tão passados, estamos no século XXI, vá lá, muito à frente. Hoje em dia, quem não quer ter filhos não tem, por isso pode poupar para o luxo, e, em vez de ter filhos, tem cães. É uma vantagem do século XXI: Liberdade de Escolha!
Diga-se de passagem que ter bebés dá muito trabalho, dá mesmo. Já pude presenciar de perto o florescer de quatro crianças, e percebo a dificuldade. É difícil porque tem de se tentar dar a volta às birras, e palmadinhas numa criança é crime (‘tadinha da criança, fica traumatizada), mas fazerem-se-lhe todas as vontades também sai caro…enfim, só trabalho e nenhum regalo. Um cão, por outro lado, é muito mais fácil. Bate-se no cão à vontade, que a UNICEF ainda não tem proteção para animais, e o cão encolhe-se, baixa as orelhas e é obediente, para além de não se poder queixar a ninguém que o entenda. Pronto, quer-se dar carinho a algum ser, que se dê aos cães e gatos que até são carinhosos e não trazem problemas nem passam pela adolescência!
Faz parte da evolução dos tempos o desmontar de certas crenças, por exemplo, já se sabe que não há bruxas, o que há é pessoas com jeito para as químicas e ilusionismos, mais nada. Com o passar do tempo, os grandes mistérios reduzem-se a simples explicações, por isso, é normal metamorfoses nos pensamentos e na sociedade. O “M” de maternidade, atualmente, fica mais simples, transforma-se, fica sem pernas e passa a ser o “V” de veterinário. Até é mais fácil de fazer, é uma letra mais barata de confecionar para um cartaz. Maternidade e veterinário têm ambas onze letras, e veterinário sai mais barato, porque tem menos duas pernas. Fantástico!
Infelizmente, tal como tudo o que tem falta de pernas, peca exatamente por não poder ir muito longe, é assim a lei da natureza. E realmente é verdade, onde é que vai a sociedade se houver maior quantidade de veterinários do que maternidades? Fácil: vai ser um jardim zoológico, um meio meramente recreativo com perspetiva ao turismo de turistas que não existem porque não há bebés. Os primeiros a sofrer com o Império dos Veterinários são os professores, porque deixam de ter alunos, logo a seguir aos senhores professores vêm os reformados, porque não há jovens para lhes pagar as reformas, e logo depois todo o sistema económico, que desaba por não haver gente suficiente para fornecer o crescimento económico mínimo e indispensável a uma sociedade normal.
A falta de paciência para com os bebés está a levar-nos à ruína, tanto económica como intelectual, tudo porque o que está no topo da lista de preocupações é o cão! As conversas dos donos que passeiam os cães não vão muito além do “ai, que linda cadelinha”, que já vai sendo substituído pelo “ai, que linda menina”. Estas confusões entre homem e animal demonstram que nos encontramos no fantástico progresso para o apodrecimento intelectual do ser humano. Sinceramente, pergunto-me quando é que passámos a dar mais mimo aos animais do que aos da nossa espécie. Contou-me ainda noutro dia o dono de vários gatos que a sua gatinha, coitadinha, estava no Veterinário, e que estava a soro! Na mesma cidade em que há quem não possa pagar os medicamentos aos avós acamados… Os animais são bons amigos, e os cães farejadores de drogas e afins são muitíssimo importantes, e salvam vidas. Aproveito e desabafo que um dia sonho vir a ter um belo Pastor Alemão. Porém, cada vaso no seu beiral, e o animal há-de vir sempre (espero eu) depois do ser humano.
O tempo em que vivemos é difícil, as “saídas” não são muitas, mas, se me permitirem um alvitre amigo, devo dizer que empregado num canil ou meramente um veterinário são escolhas inteligentes. Limpa-ruas também será sempre preciso, aliás, quantos mais cães houver, mais porcaria há-de haver para limpar. Já as agências funerárias, essas estão com os dias contados, uma vez que desde 1981 a população portuguesa não é reposta, e atualmente, o Nível Sintético de Fecundidade é por volta de 1,28, o que indica uma sucessiva redução para metade do número de portugueses. Quanto menos portugueses há, menos os há também para bater as botas, o negócio vai mal…
Numa rápida pesquisa que fiz, as únicas notícias que encontrei com estatísticas sobre animais domésticos datam de 14 de dezembro de 2006 no Destak, em que era referido um crescimento de cerca de 12% ao ano nas lojas específicas para animais, e que os gastos anuais dos portugueses com animais montavam os 200 milhões de euros por ano! Logo depois, de 2007 a 2012, verificava-se uma quebra de 12,3% na natalidade, passando de 102.492 para 89.841 nados-vivos por ano…
Em 2013, foi feito um levantamento da quantidade de sem-abrigos em Portugal, 2.200 foi o número registado. Ora, fazendo contas por alto, e tendo em conta o tempo de crise em que vivemos, aproveito a deixa dos cortes e arredondo: 100 milhões de gastos animais a dividir por 2.200 indigentes dá aproximadamente 45.455 euros por ano, 3.788 euros por mês (tendo também em conta o tempo de crise, os mendigos hão-de ter aumentado…porém, prossigo). Num país em que, no mínimo, o topo da lista é o Homem, 3.788 euros é o ordenado que um sem-abrigo pode ganhar por mês. Qual é a percentagem de portugueses a viver com 3.788 euros por mês? Deixo esse trabalho para os leitores. 
Brotherhood, essa palavra tão bonita que, aparentemente, ainda não foi editada em português, diz muito sobre o que é ser um Humano e, no caso português, o que é ser um herdeiro da hospitalidade cristã já muito esquecida. A sociedade cada vez se centra mais no umbigo, não ajudando quem precisa, mas sim adquirindo “satizfazedores” (animais) que servem para amaciar os dissabores e carências características do ser humano. Distraem-se as pessoas de olhar para o lado à procura de “carinho”, o que implica que o senhor ou a senhora não possam encontrar um outro alguém que, para além de não ter amor e “carinho”, não tem sequer um teto…
Se, antes de cuidar do cuidar do cão, cada três “famílias” portuguesas cuidassem, em comum, de um só sem-abrigo, todas as Pet Shops podiam continuar a crescer felizes da vida, e o Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) continuaria iludido de que é fundamental para a sociedade, porém, existiria no mesmo mundo em que o Instituto Nacional de Estatística teria de fechar o departamento do “Contador de Mendigos”, por falta de matéria-prima.
Enfim, cada um colhe o que semeou, e a entreajuda não tem muitos campos de cultivo. Depois de pensar um pouco, se calhar concluiria que o PAN também é uma boa “saída”, visto que se gasta mais com gelados para os gatos do que sopa para os pobres. Pensei também melhor sobre as agências funerárias e afinal não estão assim tão condenadas, basta passarem a prestar os serviços a animais um pouco menos racionais, mas enfim; é nesta troca que está o truque. 
E pronto. Só falta dizer que, a bom ver, um pediatra e um veterinário têm muito em comum, visto que nenhum deles tem pacientes que se consigam exprimir convenientemente através da fala, o que, em ambos, torna igualmente difícil a tarefa de saber “onde dói”. Os veterinários estão a aumentar, por isso prevejo um êxodo de pediatria para veterinária. Uma vez que, supostamente, há muitas pontes de ligação entre homens e bichos, talvez as equivalências disciplinares entre faculdades sejam também em igual número. Resta saber se os pacientes partilham, analogamente, o mesmo grau de importância…

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