Prosperidade sem crescimento

JOÃO MIGUEL TAVARES Público 26/05/2015

Não quero que metade das promessas eleitorais tenha de ir borda fora assim que a realidade começar a desmentir o optimismo destes números. Porque vai desmentir.

O título desta crónica não é meu, mas de um livro de Tim Jackson, lançado pela editora Tinta da China há dois anos. Jackson é professor de Desenvolvimento Sustentável e o seu livro parte de uma tese que convém começarmos a levar a sério — a de que o crescimento não pode continuar a ser uma obsessão das sociedades ricas: “Num mundo de recursos finitos, constrangido por limites ambientais rígidos, ainda caracterizado por ilhas de prosperidade no meio de oceanos de pobreza, será legítimo que o crescimento perpétuo dos rendimentos daqueles que já são ricos sirva de apoio às nossas esperanças e expectativas?”
Aquele “será legítimo” coloca a questão no domínio moral — é como se “crescer” ou “não crescer” fossem duas opções possíveis, e estivesse nas nossas mãos escolher uma delas. Contudo, essa dimensão moral interessa já muito pouco em 2015, por uma razão simples: a gigantesca crise em que estamos mergulhados está a tratar de impor uma travagem no crescimento nos países do Primeiro Mundo, quer os seus povos e os seus governos a queiram, quer não. Os furiosos opositores do TINA (“There Is No Alternative”) têm aqui mais um motivo para rasgar as vestes: “prosperidade sem crescimento” pode estar a deixar de ser uma de entre várias opções, para passar a ser a única opção possível.
Há no livro de Jackson uma frase do economista Kenneth Boulding que resume muito bem aquilo que está em causa: “Alguém que acredite que o crescimento exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito ou é louco ou é economista.” Na verdade, há uma terceira hipótese: pode ser louco, pode ser economista ou pode ser um autor de cenários macroeconómicos do Partido Socialista. Recordem-se os números pressupostos pelo grupo de Mário Centeno no seu documento Uma década para Portugal: crescimento de 2,4% em 2016 e de 3,1% em 2017 (ano em que Bruxelas prevê um crescimento de 1,7% do PIB); desemprego a baixar em 2016 para 12,2%, até chegar aos 7,4% em 2019. Os números do Governo são muito mais modestos e — temo bem — mais realistas: 11,1% de desemprego em 2019 e crescimentos nunca acima de 2,4% (ainda assim, bem mais generosos do que as projecções da Comissão Europeia). Ou seja, é graças a estes números espantosamente optimistas que o PS arranja folga para voltar a aumentar a despesa do Estado nas áreas que considera estratégicas.
Copo meio cheio: que bom que é estarmos a discutir estratégias e programas a quatro meses das eleições. Copo meio vazio: que mau que é continuarmos a discutir estratégias e programas a partir de cenários irrealistas, só para fingir que o país pode voltar ao que já foi. Não pode. Como escrevia recentemente José Carlos Fernandes num ensaio para o Observador sobre o capitalismo, “entre a Antiguidade e a Idade Média, estima-se que as taxas de crescimento tivessem rondado 0,05 a 0,1% ao ano. Durante milénios, o destino mais provável de cada novo ser humano vindo ao mundo seria viver exactamente como viveram os seus pais.” O desenvolvimento do comércio e a revolução industrial vieram mudar tudo isto, e o progresso tecnológico, felizmente, continua. Mas os crescimentos hercúleos no Primeiro Mundo já eram. Dêem-me programas de governo com crescimentos anémicos e as contas a baterem certo, se faz favor: não quero que metade das promessas eleitorais tenha de ir borda fora assim que a realidade começar a desmentir o optimismo destes números. Porque vai desmentir. E toda a gente o sabe.

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