Os juros do pessimismo

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2015.05.06

Diz-se correntemente que o dinheiro não traz felicidade; mas devia ao menos ajudar um pouco. Na Europa, no entanto, há anos que a moeda é a origem da confusão. É rara a conversa económica que não inclua uma acusação contra a unidade monetária que a União lançou tão orgulhosamente há 16 anos.
A maioria dos que vituperaram o euro não sabem bem, nem a razão da sua fúria, nem a alternativa que recomenda nem, nos raros casos em que a apresenta, os reais benefícios dessa mudança. Falam por ouvir falar. No fundo o euro é acusado por ser contemporâneo da crise, sem ninguém calcular como seria a catástrofe se ainda usássemos moeda própria. Entretanto, e para lá da retórica, ao longo dos anos em que se proclamava a doença fatal da divisa europeia, esta mostrava sinais de solidez e vigor. Nas taxas de inflação, juro e câmbio, os três preços de uma moeda, os valores europeus sempre permaneceram saudáveis. Ultimamente, porém, o euro começa a dar sinais graves de anomalia. Será que é desta?
Deflação, desvalorização e sobretudo taxas de juro negativas são coisas que uma divisa decente não pode apresentar. Parece que, para lá das tolices mediáticas, a moeda está mesmo em apuros. Para entender o que se passa é preciso separar com cuidado os problemas, exactamente o contrário das conversas comuns, que misturam tudo.
A deflação, que invoca fantasmas do passado, é agora bastante mais benigna do que parece. Além de ser mínima e geral em todo o mundo, tem sobretudo uma causa mercantil: a queda do preço do petróleo, o que, além de lateral à dinâmica monetária, será transitória. Como as economias importadoras de energia até beneficiam dessa descida, é difícil lamentar o sintoma.
Coisa semelhante se diga da recente desvalorização do euro. Ela resulta da diferente conjuntura da zona face aos concorrentes, como o dólar, e da consequente orientação divergente dos bancos centrais. Tendo como efeito um aumento das exportações europeias, não justifica alarmismos apocalípticos para a união monetária.
Mais insólito e preocupante é o surgimento do fenómeno inusitado de taxas de juro nominais negativas. Isto constitui uma aberração rara e drástica, significando que, em certos segmentos do mercado, há quem tenha de pagar para poder emprestar as suas poupanças. Até em depósitos e aplicações que ainda rendem alguma coisa, as crescentes comissões bancárias tornam atraente o proverbial investimento no colchão que, apesar de não dar rendimento, também não perde nada. O que está a acontecer?
Taxas de juro positivas e elevadas são uma constante histórica, mas não constituem necessidade lógica. Claro que em épocas inflacionistas isso é natural: se a moeda degrada o valor, a remuneração da poupança tem de o compensar. Mas em períodos de estabilidade, como o actual, a questão é muito menos óbvia. Por estranho que pareça, temos de dizer que, na sua lógica profunda, taxas negativas são uma possibilidade razoável.
Empréstimos ou depósitos são simples contratos de transposição de valor através do tempo. O credor, que tem hoje poder de compra, adia o seu consumo, permitindo ao devedor fazer o movimento inverso e obter já aquilo que só pagará futuramente. Ora neste movimento não é evidente, à partida, se deve ser quem antecipa ou quem adia a recompensar a outra parte. Será possível que, havendo demasiada gente interessada em poupar e pouca em endividar-se, possa acontecer que as taxas de juro fiquem negativas.
O tratamento rigoroso da questão está estabelecido há mais de 125 anos, pelo único economista com o retrato numa nota de banco (o xelim austríaco de 1984). Foi Eugen von Böhm-Bawerk quem em 1889 apresentou as três razões clássicas para as taxas de juro serem, em geral, positivas. Dizia ele que habitualmente as pessoas costumam ser impacientes no presente, optimistas quanto ao futuro e confiantes nos investimentos. Por isso consumir já vale mais do que esperar, o que obriga a recompensar os que estão dispostos a sacrificar-se hoje, adiando o consumo para uma data em ele valerá menos.
Esta teoria elementar do juro ajuda a compreender o essencial da situação europeia actual, enterrada debaixo dos inúmeros detalhes e perturbações da conjuntura. O mal que nos assola, e gera estas excepções, financeiras como tantas outras, é o medo, a desconfiança, o desalento. Essa é a doença europeia. Mal ou bem, teme-se o futuro. Por isso tantos se querem precaver, amealhando para tempos que os assustam. É este pessimismo que, mais do que tudo, paralisa a economia, o crédito, a evolução.

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