Quem quer a TAP como empresa pública, quer também o SPAC e as suas greves
Rui Ramos Observador 13/5/2015
Temos talvez direito à vaidade de uma companhia aérea com a bandeira na asa e sede em Lisboa. Mas isso tem custos: por exemplo, esta fidalguia sindical, e os prejuízos que representa para todos nós.
O líder do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil gabou-se, ao fim de dez de greve na TAP, de ter “conseguido infligir um dano de 30 milhões de euros na companhia”. Estava a ser modesto, porque conseguiu mais: 35 milhões, e sabe-se lá quanto à economia nacional. Perante isto, até aqueles para quem nunca uma greve pode ser má abriram uma excepção, e vieram zurzir o sindicato. Fizeram-no, como é óbvio, para dar a entender que o único problema era este sindicato e esta greve. Não é. O sindicato não fez mais do que outros sindicatos nas empresas públicas de transporte, e esta greve não é essencialmente diferente de outras greves. As contas é que podem ser maiores.
Segundo a mitologia do regime, as empresas do Estado e os seus empregados não fazem parte do mundo do comércio, mas da abnegação solidária. Para as empresas, não há a “lógica do lucro”, e para os empregados não existem “interesses egoístas”. As empresas pensam apenas em prestar o melhor serviço a todos, e os empregados, quando lhes acontece protestar, não têm outro cuidado senão zelar pelo carácter público desse serviço. Acontece que nada disto é verdade.
As empresas do Estado vivem, directa ou indirectamente, dos impostos e do crédito público. Essa situação, mais os monopólios e posições dominantes de que geralmente desfrutam, não as dispensa apenas da chamada “lógica do lucro”. Também as tem dispensado das regras de boa gestão e da necessidade de satisfazer clientes e utentes. Durante anos, os governos usaram-nas para todos os fins, desde empregar clientelas partidárias até fazer negócios politicamente convenientes. Os empregados, com postos garantidos em empresas que não podem falir a não ser por decisão do governo, estão por sua vez à vontade para zelarem intransigentemente pelos seus próprios interesses, confortos ou preferências partidárias. Sabem que os governos hesitarão sempre em desafiá-los, sobretudo quando não há “consenso político”, como nunca há. Não culpemos portanto este ou aquele sindicato, ou este ou aquele dirigente sindical. A questão é o sistema. O SPAC limitou-se a exercer o poder excepcional que lhe dá o regime das empresas de Estado.
Não é por acaso que devemos às empresas estatais de transporte uma parte da austeridade que sofremos nos três anos da troika. As empresas e os serviços ditos “públicos” são demasiadas vezes os mais indiferentes ao interesse público e aos interesses do público. A TAP está na posse dos seus sindicatos, que naturalmente se permitem todas as ousadias para defender a presa. É ridículo, a esse respeito, que o PS exija que o governo mantenha o “controle público”, quando é notório que o único controlo que existe na TAP é o que exercem os seus sindicatos. Para poder privatizar a TAP, o governo deveria ter “nacionalizado” a TAP, pondo termo à apropriação sindical da empresa. Mas perante sindicatos militantes, prontos a usar o país como refém, qualquer governo hesita, cede e deixa andar. Em Agosto de 1981, quando os controladores aéreos tentaram paralisar a América, Ronald Reagan despediu-os em massa (11 000 de uma só vez), e acabou com a cultura de bullying sindical dos anos 70. Ninguém tem hoje força para este género de saneamentos. Mas também ninguém tem dinheiro para suportar as exigências dos lordes sindicais.
A TAP começou em 1945, num tempo em que a modernização, em Portugal como no resto do mundo, era concebida como um negócio de Estado. É hoje uma empresa desesperada. No Estado, não há meios financeiros para a sustentar, nem força moral para a reestruturar. Convinha, por isso, que nos libertássemos de alguns preconceitos. Há interesses públicos que talvez dependam da propriedade pública de empresas. Mas o serviço público, no sentido de um serviço ao público, para benefício de clientes e de utentes, é frequentemente melhor garantido por mercados abertos e concorrenciais, que forcem os operadores a competir entre si para satisfação daqueles a quem devem servir. O mesmo se poderia dizer do interesse público, no sentido do bem geral. As companhias aéreas ditas de “low cost” têm-no servido muito melhor, com viagens baratas que encheram Portugal de novos turistas.
Temos talvez direito à vaidade de uma companhia área com a bandeira na asa e sede em Lisboa. Mas não haja ilusões: isso tem custos: por exemplo, esta fidalguia sindical, e os prejuízos e o mau serviço que representa para todos nós. Quem quer a TAP como empresa pública, quer também o SPAC e as suas greves de 35 milhões de euros. Porque uma coisa vai com a outra.
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