Eleições britânicas: vanguardismo surpreendido pelas pessoas comuns

JOÃO CARLOS ESPADA Expresso 11/05/2015 - 01:05

Os eleitores premiaram no recato das cabines de voto um programa conservador que, em público, era alvo da agressividade vanguardista.
A impressionante (como lhe chamou certeiramente o Presidente Obama) vitória conservadora nas eleições britânicas da passada quinta-feira merece uma reflexão atenta que não cabe no espaço desta crónica. Mas um possível ponto de partida pode ser o “impressionante” fracasso das sondagens. Ao contrário do que tem sido dito, não é basicamente um problema técnico. É um “impressionante” problema político.
Por que motivo muitos eleitores não declararam a sua intenção de voto nos conservadores? Por um motivo semelhante ao de 1992, quando as sondagens davam uma derrota marcante a John Major — e ele acabou por derrotar o vanguardista Neil Kinnock, abrindo caminho à renovação do Partido Trabalhista pelo centrista Tony Blair.
Naquela época, tal como hoje, vivia-se uma vincada predominância do “politicamente correcto”. As chamadas “chattering classes” — nos media, nas universidades, hoje também nas chamadas “redes sociais” — desprezavam ostensivamente John Major. Tal como, na semana passada, desprezavam o europeísmo céptico de Cameron, bem como a sua chamada “política de austeridade”.
Perante esta agressividade do politicamente correcto, muitos eleitores conservadores não quiseram revelar as suas intenções de voto. Mas acorreram às urnas para, no recato da cabine de voto, exercerem a sua escolha livre. Foi assim em 1992, voltou a ser assim agora.
Esta dissonância cognitiva entre as “chattering classes” e a massa dos eleitores teve outras consequências.
Ed Miliband, o líder trabalhista, cometeu o erro clamoroso de se avistar com um tal Russell Brand, autor de um livro chamado Revolution — que ataca as democracias parlamentares, o Estado-nação e a desigualdade capitalista. Fê-lo porque, segundo se dizia, Brand tinha dois milhões de seguidores no Twitter. O resultado foi: manchetes em todos os jornais e televisões do dia seguinte… e uma estrondosa derrota eleitoral uns dias depois.
Outra consequência daquela dissonância cognitiva foi o silêncio e indiferença mediáticos relativamente às efectivas realizações do Governo de Cameron. Os especialistas e comentadores repetiram ataques à “política de austeridade”. Mas ignoraram os reais resultados obtidos pelos cortes na despesa pública: dois milhões de novos empregos no sector privado e o crescimento económico mais elevado da União Europeia. Além disso, tendo reduzido os impostos, Cameron conseguiu que 0,1% dos contribuintes, com maiores rendimentos, pagassem agora 12% da receita fiscal.
Na Educação, o Governo de Cameron, sob a responsabilidade de Michael Gove, liberalizou o quase monopólio estatal da Educação (um processo iniciado pelos governos de Tony Blair). Foram autorizadas 4300 novas academias e 225 novas free schools, oferecendo estas 100 mil novas vagas, com três candidaturas por cada vaga. Cerca de 2,2 milhões de alunos frequentam agora escolas independentes com financiamento público. Ian Duncan Smith iniciou uma inédita reforma do Estado social, orientando os apoios para os que realmente precisam e contrariando a cultura de dependência; no Serviço Nacional de Saúde, cortou 18 mil empregos burocráticos e contratou mais 8700 médicos.
A lista podia continuar. Mas o ponto é o seguinte: os eleitores premiaram no recato das cabines de voto um programa conservador que, em público, era alvo das acusações “indignadas” do vanguardismo politicamente correcto.
Quais são as lições deste fenómeno? O presidente de uma das empresas de sondagens britânicas disse sabiamente que os políticos não deviam seguir as sondagens; deviam apenas dizer abertamente aquilo que defendem. É um bom princípio. Depois de Winston Churchill, os últimos estadistas que seguiram esse princípio foram Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Talvez David Cameron possa vir a juntar-se a esse clube ilustre — cem por cento politicamente incorrecto, hostilizado pelo vanguardismo “bem pensante”, mas profundamente sintonizado com as pessoas comuns.
Wladyslaw Bartoszewski: Morreu no passado dia 24 de Abril este herói da resistência polaca ao nazismo e ao comunismo. Foi por duas vezes ministro dos Negócios Estrangeiros após a transição democrática. Defensor da NATO e da União Europeia, liderava o processo de reconciliação entre a Polónia e a Alemanha. Entre os polacos, era conhecido pela sua máxima: “Vale a pena ser decente, mesmo que muitas vezes não sejamos recompensados; não vale a pena ser ‘não-decente’, mesmo que muitas vezes pudéssemos ser recompensados.”

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