Eles e nós
Expresso, 080930
João CarlosEspada
jcespada@netcabo.pt
A crise terá os seus responsáveis. Mas é uma crise do nosso, sublinho nosso, sistema de mercado
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É com alguma surpresa que venho observando o novo desporto nacional de alguma opinião publicada: o ataque puro e duro, muitas vezes em simples regozijo, ao chamado “capitalismo financeiro americano”, que é taxativamente tratado como “eles”. E “eles” seriam responsáveis pela crise que estão a produzir sobre “nós”.
Não sei se é um atavismo herdado de 48 anos da superior liderança do dr. Salazar, em que se falou do “orgulhosamente sós”, ou se uma nostalgia do “Povo Unido com o MFA”, em que se falava do “caminho português para o socialismo”. Francamente, não sei. Mas é um bocado aborrecido. E ligeiramente preocupante.
A crise terá os seus responsáveis e já lá iremos. Mas é uma crise do nosso, sublinho nosso, sistema de mercado. Este é o melhor sistema que até agora conhecemos para colocar a economia ao serviço dos consumidores, isto é, das pessoas comuns, e não ao serviço dos produtores ou fornecedores. Este é o nosso sistema, sobretudo característico do Ocidente, e devemos sentir-nos orgulhosos dele. É ele que basicamente gerou o nível de vida, indiscutivelmente o mais elevado, do Ocidente. É esse sistema que os imigrantes procuram quando vêm para cá. E, na Ásia, é a introdução de mecanismos de mercado que explica o enorme crescimento económico que está a ocorrer.
Perante a grave crise financeira que está em curso, parece que a reacção normal seria de preocupação, não de regozijo. Quando o nosso navio encalha, a primeira preocupação é salvá-lo, não é culpar o comandante. A seguir, naturalmente, vamos analisar as responsabilidades.
Elas são muito complexas, como tem sido observado pelos conhecedores dos mercados financeiros. Houve falhas graves de regulação, é bem patente, sobretudo no que respeita aos chamados “produtos tóxicos”. Também tem sido dito que alguns dos sectores mais afectados, como os grupos Fannie Mae e Freddy Mac, estavam artificialmente protegidos da concorrência. Por outro lado, a expectativa de protecção governamental terá levado alguns bancos em colapso a não quererem vender as suas acções severamente desvalorizadas.
Um sistema de mercado funda-se na liberdade e na correspondente responsabilidade. A utilização de dinheiros públicos para salvar empresas privadas é uma medida absolutamente excepcional. É justificável, devido à imensa dimensão da crise. Mas talvez tivesse sido melhor usá-los para proteger exclusivamente os depositantes e os segurados, não os accionistas e gestores. Em qualquer caso, o importante agora é restaurar liquidez e a confiança dos mercados.
João CarlosEspada
jcespada@netcabo.pt
A crise terá os seus responsáveis. Mas é uma crise do nosso, sublinho nosso, sistema de mercado
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É com alguma surpresa que venho observando o novo desporto nacional de alguma opinião publicada: o ataque puro e duro, muitas vezes em simples regozijo, ao chamado “capitalismo financeiro americano”, que é taxativamente tratado como “eles”. E “eles” seriam responsáveis pela crise que estão a produzir sobre “nós”.
Não sei se é um atavismo herdado de 48 anos da superior liderança do dr. Salazar, em que se falou do “orgulhosamente sós”, ou se uma nostalgia do “Povo Unido com o MFA”, em que se falava do “caminho português para o socialismo”. Francamente, não sei. Mas é um bocado aborrecido. E ligeiramente preocupante.
A crise terá os seus responsáveis e já lá iremos. Mas é uma crise do nosso, sublinho nosso, sistema de mercado. Este é o melhor sistema que até agora conhecemos para colocar a economia ao serviço dos consumidores, isto é, das pessoas comuns, e não ao serviço dos produtores ou fornecedores. Este é o nosso sistema, sobretudo característico do Ocidente, e devemos sentir-nos orgulhosos dele. É ele que basicamente gerou o nível de vida, indiscutivelmente o mais elevado, do Ocidente. É esse sistema que os imigrantes procuram quando vêm para cá. E, na Ásia, é a introdução de mecanismos de mercado que explica o enorme crescimento económico que está a ocorrer.
Perante a grave crise financeira que está em curso, parece que a reacção normal seria de preocupação, não de regozijo. Quando o nosso navio encalha, a primeira preocupação é salvá-lo, não é culpar o comandante. A seguir, naturalmente, vamos analisar as responsabilidades.
Elas são muito complexas, como tem sido observado pelos conhecedores dos mercados financeiros. Houve falhas graves de regulação, é bem patente, sobretudo no que respeita aos chamados “produtos tóxicos”. Também tem sido dito que alguns dos sectores mais afectados, como os grupos Fannie Mae e Freddy Mac, estavam artificialmente protegidos da concorrência. Por outro lado, a expectativa de protecção governamental terá levado alguns bancos em colapso a não quererem vender as suas acções severamente desvalorizadas.
Um sistema de mercado funda-se na liberdade e na correspondente responsabilidade. A utilização de dinheiros públicos para salvar empresas privadas é uma medida absolutamente excepcional. É justificável, devido à imensa dimensão da crise. Mas talvez tivesse sido melhor usá-los para proteger exclusivamente os depositantes e os segurados, não os accionistas e gestores. Em qualquer caso, o importante agora é restaurar liquidez e a confiança dos mercados.
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