O choro

Inês Teotónio Pereira
ionline em 9 Nov 2013 - 05:00

A principal razão de o choro das crianças ser uma arma muito mais eficaz que qualquer arma branca é que ninguém condena

Se eu fosse criança passava o dia a chorar: uma criança consegue tudo o que quer com o choro. Não precisa de ameaçar: chora e pronto. Nós, adultos, temos defesas para tudo, até para o terrorismo, mas para o terror do choro de uma criança ainda não. A ciência e a tecnologia não evoluíram o suficiente neste sentido. O choro delas é uma espécie de arma de destruição em massa que neutraliza tudo o que rodeia e dá cabo de qualquer inimigo; é uma espécie de arma branca das crianças mas mais eficaz. E por mais que tentemos perceber porque choram as crianças não conseguimos, não há forma de desvendar a raiz. Não há hipótese de enviar uma equipa de peritos para descobrir onde é fabricado o choro, como se fez no Iraque. É impossível, cada choro é um choro, único e irrepetível.
Nós, adultos, perante a gritaria da criançada só queremos que elas se calem. A qualquer custo. Faz-nos imensa impressão ver os nossos filhos chorarem. Achamos ingenuamente que há uma razão sólida para eles chorarem, achamos que eles estão mesmo a sofrer e temos pena. Levamos mesmo a sério toda aquela gritaria, os beicinhos, a língua a badalar, etc. Nada mais errado. Uma criança não chora apenas quando sofre, ou quando se magoa, ou quando está com saudades dos pais. Nada disso. Ela consegue chorar porque lhe apetece e muitas vezes sem uma única lágrima. Tipo crocodilo. Elas não choram como os adultos, que choram a sério, por coisas sérias, porque sofrerem verdadeiramente apesar de não quererem chorar. As crianças, ao contrário, choram mesmo quando não lhes apetece nada chorar, mesmo quando não têm vontade. Choram porque sabem perfeitamente que chorar é o caminho mais rápido para conseguirem tudo aquilo que querem e passam anos a aperfeiçoar a técnica. As mais talentosas nem sequer precisam de chorar, basta um beicinho e é dinheiro em caixa, certinho.
A principal razão de o choro das crianças ser uma arma muito mais eficaz que qualquer arma branca é que ninguém condena. Não há condenação para o choro. Perante o choro consola-se, não se retalia; dá-se mimos, beijinhos, colo, chocolates ou qualquer coisa que os faça calar. Mas não há castigo. Ninguém é assim tão insensível. E elas sabem. Sabem desde o dia em que nasceram que a mais eficaz forma de comunicação com o mundo é o choro.
Enquanto as birras têm sempre um risco associado porque podem sempre acabar com uma palmada ou com um castigo, o choro não. O choro é o passaporte garantido para a felicidade. Uma criança que saiba chorar muito, que tenha nascido com essa competência, só vai onde quer, só come o que quer, só vai para a cama quando lhe apetece e tem nos pais uns escravos ao seu serviço. Tem uma infância verdadeiramente principesca.
Ao fim destes anos todos, os pais ainda não aprenderam a relativizar o choro das crianças e o seu cérebro ainda não criou mecanismos de defesa para o suportar, apesar de existirem vários sinais que podiam, vá, melhorar as nossas condições de vida. Por exemplo, quando uma criança chora baixinho é porque o caso é grave, mas quando chora aos gritos ou o caso é mesmo grave, tipo agudo, e envolve sangue ou ossos partidos, ou é uma vil chantagem.
Uma vez perguntei ao meu filho porque é que ele estava chorar, ao que ele respondeu: "Porque ainda não sei falar bem." É simples.

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