O Papa Francisco e a Igreja portuguesa

Público, 30/11/2013

Não deixe que a Igreja portuguesa volte a ser o que foi no tempo do colonialismo e da ditadura...
Desde que foi consagrado Papa que considero Sua Santidade o Papa Francisco (de Assis, não Xavier) como alguém de excepcionalíssimo valor. Que ama o próximo como a si mesmo, como dizia Jesus, sobretudo os mais pobres e os mais desfavorecidos. Sejam ou não católicos ou de outras religiões ou de nenhuma, como eu.
É, com efeito, um Papa singular porque fala com toda a gente, seja de que religião for ou de nenhuma. Porque, segundo diz, todos são filhos de Deus. Além disso, detesta o capitalismo selvagem que hoje governa a Europa, sobretudo a zona euro, que deixou de ser solidária e igualitária – como sempre foi – e se encontra agora à beira do abismo, como escreveram Helmut Schmidt, Jacques Delors, entre outros, mesmo economistas e prémios Nobel, como Joseph Stiglitz e Paul Krugman.
Sua Santidade detesta a austeridade, imposta pela senhora Merkel, que ganhou as eleições e veremos agora o que fará aliada aos sociais-democratas. Porque sabe bem que a austeridade conduz necessariamente à desgraça dos Estados que dela são vítimas. Infelizmente há já muitas vítimas para além da Grécia, da Irlanda, de Portugal, de Espanha, da Itália, da Holanda e de outras que estão para vir, se não houver uma mudança.
A Igreja portuguesa, que foi colonialista, durante os tempos das guerras coloniais e sempre próxima da ditadura, foi salva pelos socialistas, na maior parte deles não religiosos, porque depois do 25 de Abril impediram que os esquerdistas invadissem o Patriarcado como tentaram fazer. Porquê? Porque os socialistas sabiam que a I República (1910-1926) foi muito prejudicada pelo conflito (inútil) entre o Governo e a Igreja...
Graças à intervenção do PS, depois do 25 de Abril, a Igreja portuguesa tornou-se muito aberta, com o patriarca D. António Ribeiro, e progressista, ao contrário do que sucedeu com a Igreja espanhola, que foi sempre de direita, mesmo após a morte de Franco, e quando Suarez introduziu a democracia. Mas parece que, com o novo patriarca português, tudo está a mudar, o que é péssimo e triste para o futuro.
Porquê? Porque a Igreja portuguesa tem mantido um silêncio inaceitável, tal como o actual patriarca, em relação ao Papa. Parece que não gosta dele ou mesmo que o detesta.
Prefere a corrupção e a imoralidade, que reinava no Vaticano, à solidariedade do Papa que respeita os pobres? Que patriarca é este que há meses não fala e, em especial, de Sua Santidade. Aliás, quando era bispo fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista – que afinal não é; tendo em conta o que não diz agora, parece que nunca foi.
É algo que não se entende! O Papa Francisco alertou que a exclusão e a desigualdade social "provocarão a explosão da violência". É importante que o tenha feito, por mero acaso no dia seguinte a eu ter sido atacado por dizer o mesmo. Leia, o actual patriarca, D. Manuel Clemente, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Papa, ao Episcopado, ao Clero, às Pessoas Consagradas e aos Fiéis e Leigos, sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual. Talvez lhe seja útil e o leve a falar de Sua Santidade, que, incontestavelmente, representa no mundo de hoje um dos maiores papas de todos os tempos. Não deixe que a Igreja portuguesa volte a ser o que foi no tempo do colonialismo e da ditadura...
Ex-Presidente da República

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