Gato por lebre?

Público, 12/11/2013

Muitos estranharam o grande destaque - página inteira e foto - do PÚBLICO, de 16-7-2013, a um estudo, que "indica que casais gay são menos stressados a cuidar dos filhos".
A bem dizer, não é propriamente um estudo científico porque, como se afirma logo na primeira linha, "ainda não está concluído". Ora, de uma análise que não está terminada, não se podem retirar, como é lógico, ilações, porque, como diria La Palice, só um estudo concluído é, efectivamente, conclusivo. Contudo, o seu autor já chegou a uma conclusão. Talvez com receio do previsível desfecho da sua investigação, antecipa um resultado apriorístico: a excelência da co-adopção. É o que se chama, em termos científicos, gato escondido com o rabo de fora, ou seja, política mascarada de psicologia, mas não tanto que não se lhe veja a cauda ideológica.
Não se trata, portanto, de um parecer científico, mas de uma mera opinião, certamente legítima, mas cientificamente infundada. Mas um cientista não tem direito a manifestar as suas opções políticas? Sim, claro, excepto quando intervém como investigador. Ora a entrevista era ao psicólogo e não ao militante partidário e, por isso, as afirmações políticas sobram. Ou talvez não, porque evidenciam a sua parcialidade, a qual compromete a idoneidade científica da análise e contraria o artigo 8.º, n.º 1, do respectivo código deontológico: "Quando fazem declarações públicas, (...) os/as psicólogos/as devem observar o princípio do rigor e da independência, abstendo-se de fazer declarações falsas ou sem fundamentação científica".
Apenas quarenta pessoas, casadas ou em união de facto, foram interrogadas para esta investigação. A insuficiência da amostragem é também significativa da insignificância do "estudo". Imagine-se um inquérito aos lendários quarenta companheiros de Ali Babá: a conclusão "científica" seria a de que todos os homens são ladrões!
É estranho que se diga que a família deve ser estável, mas depois não se compare a estabilidade nos dois tipos de uniões. Porquê? Será porque, como consta, as uniões naturais, ao contrário das estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo, são mais duradouras e pacíficas e, portanto, mais aptas para a saudável educação dos filhos?
Muito embora este seu "estudo" seja inconclusivo, o não foi, contudo, o que o mesmo investigador realizou em 2010. A grande maioria dos então inquiridos - 1288 universitários finalistas portugueses - manifestou o seu "receio de que uma criança, adoptada por um casal do mesmo sexo, venha a apresentar um desenvolvimento psicossexual não-normativo" e, por isso, entende que se deve atribuir, "com maior probabilidade, a custódia de uma criança a uma família heteroparental do que a uma família homoparental". Tal qual, sem tirar nem pôr.
Se esta é, de facto, a opinião da maioria da população, como expressamente reconhece um psicólogo adepto da tese contrária, e não há nenhuma evidência científica no sentido oposto, só a decisão parlamentar que inviabiliza a co-adopção é legítima, por ser a única que serve o superior interesse da criança, e democrática, por reflectir a vontade esclarecida da maioria dos cidadãos. Outra coisa seria, sem dúvida, dar ao país gato por lebre.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António