O compromisso político dos católicos

Card. Angelo Scola
Arcebispo de Milão
In Não nos esqueçamos de Deus (ed. Paulinas - Pré-publicação)
SNPC 12.11.13


Se é verdade que é um dever do Estado garantir o espaço para a expressão pública da religião e a comunicação entre sujeitos, também é verdade que a qualidade dos seus conteúdos dependerá, por outro lado, da vitalidade de quantos o habitam. Neste sentido, o empenhamento civil e político dos cristãos é particularmente urgente [...]. Não se trata apenas de defender, de ataques exteriores, uma posição e uma conceção particular da vida, mas de introduzir no debate público razões potencialmente válidas para todos.
Isso não implica, naturalmente, que a proposta dos católicos, para poder ser avançada publicamente com plena legitimidade, deva estar em sintonia com as visões prevalecentes na sociedade. Muitas questões que, pelo menos no Ocidente, dizem hoje respeito ao tema da liberdade religiosa, remetem, na realidade, para a própria visão do humano e para o respetivo «conflito de interpretações»:
«A questão [...] é que se não entendemos que a crise com que nos confrontamos diz respeito, em última análise, à natureza do ser humano, as nossas estratégias políticas [...] reforçarão, a longo prazo, os próprios pressupostos que produziram a crise. Isso não significa que estratégias que falam de direitos na linguagem liberal não possam ser justificadas por razões de prudência. Significa apenas que também essas estratégias devem ser integradas [...] numa conceção mais adequada dos direitos baseada numa visão mais completa da pessoa humana» (D.L. Schindler).
Por isso, não está apenas em jogo a possibilidade de os cristãos e, de um modo mais geral, os crentes, se exprimirem publicamente, mas de o fazerem sabendo e podendo dar adequadamente razão da própria experiência, o que desloca a tónica do direito dos crentes para o seu dever de testemunho.
O Cristianismo pretende, com efeito, responder às expectativas e necessidades de todo o homem e de todos os homens, como proposta e nunca como imposição. O próprio Habermas considera, nesse sentido, que é também completamente justificável, para além do esforço de tradução das propostas numa linguagem pública acreditada, «a admissão de enunciações religiosas não traduzidas na esfera pública». O motivo é simples: um Estado verdadeiramente democrático «não pode desencorajar os crentes e as comunidades religiosas a exprimirem-se como tais, inclusive politicamente, porque não pode saber se, caso contrário, a sociedade laica não se privará de importantes recursos de criação do sentido».
Poder-se-ia acrescentar que qualquer interpretação amputada ou parcial do Cristianismo, ou seja, que privilegiasse alguns aspetos em detrimento de outros, acabaria inexoravelmente por ser instrumentalizada, minaria a própria originalidade da proposta cristã e reduziria os católicos a uma realidade insignificante. Convém recordar, entre outras coisas, aquilo que o Concílio ensina a propósito do papel dos fiéis leigos na sociedade: «Compete-lhes iluminar e ordenar todas as coisas temporais, às quais estão intimamente ligados, de tal modo que sejam sempre feitas segundo Cristo, progridam e sirvam para louvar o Criador e o Redentor» (Lumen gentium, 31). Não é um convite a perseguir a hegemonia, mas antes o reconhecimento do facto de que uma fé integralmente vivida tem uma irrenunciável importância antropológica, social e cosmológica, carregada de consequências políticas bastante concretas. Dando testemunho das próprias convicções em todo o âmbito -  inclusive no político e partidário - da existência humana, não se lesa o direito de ninguém. Pelo contrário, promovendo-o, põe-se em movimento a virtuosa busca do «compromisso» (cum-promitto) nobre, sobre bens específicos de caráter ético, social, cultural, económico e político.
Sempre que não for possível chegar a acordo sobre os princípios irrenunciáveis com os outros «habitantes» da sociedade plural, recorrer-se-á à objeção de consciência. Esta última, aliás, ao contrário do que alguns consideram, não tem apenas o objetivo particular de isentar um sujeito de comportamentos inaceitáveis para ele, mas também chama a atenção geral para temáticas em relação às quais se considere que ainda não se formou uma sensibilidade adequada, dando assim um importante contributo para o debate público. Sobre esta dimensão social da objeção de consciência é mais do que nunca necessária uma larga reflexão, que, infelizmente, hoje ainda falta.
Esta entrevista integra o número 20 do "Observatório da Cultura" (novembro 2013).

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