Ano da Fé
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013-11-18
Não há felicidade maior do que saber que Deus, o Deus supremo, sublime, transcendente, que fez o céu e a terra, se entregou à morte para me salvar. A mim pessoalmente. Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal, em especial neste Ano da Fé que agora termina, tudo lembra este facto radical. Apesar disso, ele é esquecido a cada passo. Por isso as nossas vidas não são felizes. Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. Eu vivo a minha vida, em cada momento, sob o olhar do que está num patíbulo em vez de mim.
As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro. Nem os meus inimigos, que têm tanta razão nos insultos, nem eles sabem do mal a metade. Sou todos os dias muito justamente condenado à morte.
Todos estamos condenados à morte e um dia, cedo ou tarde, a sentença será executada. Aliás, a morte não é só um justo castigo dos nossos males, mas também um alívio terapêutico dos mesmos males. Que seria viver para sempre em tanta maldade? "Deus não institui a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça" (S. Ambrósio Na Morte do Irmão Sátiro, II, 47).
Isto posso compreendê-lo bem olhando com honestidade para a minha vida. Se tirar a máscara de respeitabilidade e elegância, se esquecer as justificações retóricas e os enganos convenientes, se for ao fundo das minhas razões, vejo com clareza que um juiz justo e imparcial teria de me condenar. Exalto o pouco bem que vou fazendo, mas essa ilusão de óptica não impede a sentença inevitável.
Mas não sou eu que estou ali pendurado. É Ele. Ele, a única pessoa a poder dizer com verdade não merecer a morte, é Ele que está ali. "Jesus estará em agonia até ao fim do mundo" (Pascal , 1670, Pensées, ed. Brunschvicg n.º 553, ed.Lafuma n.º 919). Ele está em agonia, e a culpa é minha. E graças à morte d"Ele a minha tem remédio. A morte, em si mesma, é definitiva. Quem morre fica morto. Mas porque Ele quis morrer por mim, a minha morte tem saída. A minha morte pode ir para a vida. Se me agarrar a Ele, o único que voltou da morte.
Porque essa morte, que Ele sofreu por minha causa, durou apenas três dias. Porque Ele, o único a poder dizer que não merece a morte, destruiu a morte com a morte que sofreu por minha causa. Assim não há mais morte, não há mais culpa. Tudo foi levado na enxurrada da ressurreição de Cristo.
Eu, no medíocre quotidiano, continuo a mesma mesquinha criatura que sempre fui. Os meus pecados não desapareceram por Ele ter morrido e ressuscitado. Aliás, todos os meus pecados foram já cometidos depois de Ele ter morrido e ressuscitado por mim. Mas, porque Ele morreu e ressuscitou, eu sei que existe algo que cobre a multidão dos meus erros, misérias, podridões. Existe a Sua eterna misericórdia. E essa, por ser infinita, ganha ao meu mal. Se eu a procurar.
Agora posso viver a minha vida debaixo do olhar que Ele me lança da cruz. Daquela cruz que vejo a cada passo nas cidades e aldeias. Daquela cruz onde Ele está pendurado por minha causa. E isso muda a minha vida. Até muda a desgraça, a tacanhez, a maldade da minha vida. Assim, até ela fica quase boa. Por me lembrar do facto de Ele estar ali pendurado por minha causa. E não se ir embora, por grandes que sejam os meus crimes. Por ficar ali pendurado, esperando sempre que eu O veja. Que caia em mim. Que volta para Ele. Que tenha fé. E isso é a vida eterna.
DN 2013-11-18
Não há felicidade maior do que saber que Deus, o Deus supremo, sublime, transcendente, que fez o céu e a terra, se entregou à morte para me salvar. A mim pessoalmente. Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal, em especial neste Ano da Fé que agora termina, tudo lembra este facto radical. Apesar disso, ele é esquecido a cada passo. Por isso as nossas vidas não são felizes. Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. Eu vivo a minha vida, em cada momento, sob o olhar do que está num patíbulo em vez de mim.
As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro. Nem os meus inimigos, que têm tanta razão nos insultos, nem eles sabem do mal a metade. Sou todos os dias muito justamente condenado à morte.
Todos estamos condenados à morte e um dia, cedo ou tarde, a sentença será executada. Aliás, a morte não é só um justo castigo dos nossos males, mas também um alívio terapêutico dos mesmos males. Que seria viver para sempre em tanta maldade? "Deus não institui a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça" (S. Ambrósio Na Morte do Irmão Sátiro, II, 47).
Isto posso compreendê-lo bem olhando com honestidade para a minha vida. Se tirar a máscara de respeitabilidade e elegância, se esquecer as justificações retóricas e os enganos convenientes, se for ao fundo das minhas razões, vejo com clareza que um juiz justo e imparcial teria de me condenar. Exalto o pouco bem que vou fazendo, mas essa ilusão de óptica não impede a sentença inevitável.
Mas não sou eu que estou ali pendurado. É Ele. Ele, a única pessoa a poder dizer com verdade não merecer a morte, é Ele que está ali. "Jesus estará em agonia até ao fim do mundo" (Pascal , 1670, Pensées, ed. Brunschvicg n.º 553, ed.Lafuma n.º 919). Ele está em agonia, e a culpa é minha. E graças à morte d"Ele a minha tem remédio. A morte, em si mesma, é definitiva. Quem morre fica morto. Mas porque Ele quis morrer por mim, a minha morte tem saída. A minha morte pode ir para a vida. Se me agarrar a Ele, o único que voltou da morte.
Porque essa morte, que Ele sofreu por minha causa, durou apenas três dias. Porque Ele, o único a poder dizer que não merece a morte, destruiu a morte com a morte que sofreu por minha causa. Assim não há mais morte, não há mais culpa. Tudo foi levado na enxurrada da ressurreição de Cristo.
Eu, no medíocre quotidiano, continuo a mesma mesquinha criatura que sempre fui. Os meus pecados não desapareceram por Ele ter morrido e ressuscitado. Aliás, todos os meus pecados foram já cometidos depois de Ele ter morrido e ressuscitado por mim. Mas, porque Ele morreu e ressuscitou, eu sei que existe algo que cobre a multidão dos meus erros, misérias, podridões. Existe a Sua eterna misericórdia. E essa, por ser infinita, ganha ao meu mal. Se eu a procurar.
Agora posso viver a minha vida debaixo do olhar que Ele me lança da cruz. Daquela cruz que vejo a cada passo nas cidades e aldeias. Daquela cruz onde Ele está pendurado por minha causa. E isso muda a minha vida. Até muda a desgraça, a tacanhez, a maldade da minha vida. Assim, até ela fica quase boa. Por me lembrar do facto de Ele estar ali pendurado por minha causa. E não se ir embora, por grandes que sejam os meus crimes. Por ficar ali pendurado, esperando sempre que eu O veja. Que caia em mim. Que volta para Ele. Que tenha fé. E isso é a vida eterna.
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