Portugal
i-online 2013-11-16
Os meus filhos, tal como qualquer português da diáspora, são os melhores quando vão para fora
Os meus filhos são portugueses de gema. Nasceram assim. Gostam de refilar, de futebol, de mar e ficam desvairados com tablets, computadores e telemóveis. Acham que as regras são meras indicações, tipo sinais de trânsito azuis, e que o futuro a Deus pertence. Do que eles gostam mesmo é do presente. Gostam de festas, dos amigos, da família, de rir e de comer coisas boas a toda a hora. Gostam de ir, mas preferem voltar, porque em casa é que se está bem. Também têm muitas saudades e quando a vida lhes corre mal são fatalistas, dramáticos e melancólicos como o fado.
Os meus filhos não trabalham porque sim, como os alemães. Trabalham porque é preciso. E quando é preciso trabalham muito bem: quando estudam têm boas notas, quando querem dinheiro fazem o que for preciso. Mas não fazem nada que seja preciso fazer apenas porque sim, porque é preciso, como faz qualquer germânico. Um alemão não levanta as lusitanas interrogações: "Se eu não fizer, o que é acontece? E o que é que eu ganho com isto?" Nem chega à portuguesíssima conclusão: "Se eu não fizer, alguém há-de fazer." Eles fazem e pronto. Tipo máquinas. Para os meus filhos tem de existir uma razão, uma necessidade objectiva que os obrigue a suar ou a queimar as pestanas, e quando encontram uma razão, um motivo válido, um desígnio, são incansáveis. Descobririam mundos novos se fosse preciso e se ganhassem algum ouro com isso.
Em cada um dos meus filhos há um poeta. Todos eles têm interrogações sem resposta, medos que não têm explicação terrena e uma tristeza avassaladora quando são horas de ir para cama. Se soubessem, escreveriam versos inquietantes e ritmados sobre a nostalgia da noite todas as noites. Só lhes falta a técnica, porque o sentimento já o têm todo. Eles pensam mais do que fazem, fazem bem tudo o que gostam e gostam muito que não os chateiem.
A única coisa que une os meus filhos é o futebol. Tudo o resto os desune - passam os dias a discutir, a disputar atenção, a televisão, o computador, etc. Eles não têm qualquer espírito de comunidade e só arrumam a metade do quarto que lhes pertence. Tudo o que sejam espaços comuns, não é com eles. São comuns, por isso não são de ninguém e nada do que lá se passa é com eles (se a minha casa fosse uma floresta, ardia todos os Verões).
Os meus filhos quando vão para fora são outros e transformam-se nos filhos que qualquer pai gostaria de ter. Em casa dos outros são os meninos perfeitos: ajudam, arrumam, não discutem e revelam-se as crianças mais bem--educadas do planeta. Os meus filhos, tal como qualquer português da diáspora, são os melhores quando vão para fora.
Mas aquilo que os torna verdadeiramente portugueses é o desenrascanço. São peritos na arte do desenrascanço e da engenhoca. Como não levam o futuro a sério, porque o futuro ou pertence a Deus ou pertence aos pais, não é nada com eles, os meus filhos não sentem qualquer necessidade de planear o que quer que seja ou de organizar alguma coisa. E vão fazendo como calha. Adaptam qualquer brinquedo às necessidades da brincadeira do momento, estudam na véspera dos testes e encontram atalhos para tudo. E depois logo se vê. Logo se vê é o lema da minha criançada. É assim há 900 anos.
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