Hoje, derrubo grades, amanhã defendo-as

Ferreira Fernandes
DN 2013.11.22
Não gostei de ver os polícias a subir, como invasores, as escadarias da Assembleia da República. Não gosto de ver invasões da Assembleia da República, mesmo que só sob a forma de ameaça. As forças de segurança têm razões de protesto como a maioria dos outros portugueses. Mas não têm as mesmas possibilidades de exercer o direito a esse protesto. Há coisas que uns têm e outros não têm, e isso é assim não só por causa da injustiça com que o mundo está desorganizado; é também assim por causa de como o mundo tem, e tem mesmo, de ser organizado. Já é altura de todos entendermos esse relativismo. Os homens do lixo podem fazer uma greve total durante dois dias; já os médicos e os enfermeiros não podem. Os camionistas, na estrada, podem combinar parar em todo o País às 15.35 de um determinado dia; já os pilotos de avião, no ar, não podem. Se calhar já todos entendemos esse relativismo, sem que nenhum grupo social se sinta desapossado dos seus direitos. Ora os polícias, além de não poderem, como os restantes portugueses, derrubar as grades e galgar as escadarias como se fossem tomar São Bento, têm uma razão suplementar para não o fazer. É que, fazendo, permitem-se aquilo que não permitiriam aos outros cidadãos fazer, quando eles, polícias, estão a exercer a sua função profissional. Claro que deixo toda esta conversa no pressuposto de que o Estado de direito continua vigente. Mas se estamos em insurreição, já não está aqui quem falou.

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