Uma fábula
No fim do século III, princípio do século IV, o retórico, professor e conselheiro de Constantino, Lúcio Célio Lactâncio, escreveu um livro de piedade e propaganda, que chamou De Mortibus Persecutorum. Neste livro, que se destinava a contar a história dos nove imperadores que mais se tinham distinguido na supressão (ou, mais precisamente, na tentativa de supressão) da cristandade, aparecem, quase por acaso, estas perturbadoras linhas sobre as despesas do Estado: "Quando a proporção dos que recebem excede a proporção dos que pagam, as províncias são esmagadas pelo peso dos tributos". Dois factos chegam para mostrar a impossível situação em que se vivia. Primeiro, mesmo no Ocidente, os camponeses fugiam da terra para não serem espremidos pelo fisco e uma área imensa do império ficava por cultivar. Segundo, a prática de matar recém-nascidos foi alastrando a pouco e pouco por todo o império, a ponto de exigir a única lei "assistencial" da Antiguidade: Constantino obrigou as cidades de Itália e, a seguir, de África a contribuir para o sustento das crianças sem meios.
Nessa altura, o Império, dividido em quatro partes, por pretensas razões de segurança, alimentava quatro imperadores, quatro cortes, quatro corpos de guarda (à volta de 50.000 homens cada um), quatro burocracias que não comunicavam entre si e, muito principalmente, quatro exércitos regulares que só comunicavam entre si nas guerras civis que a partilha do poder ia provocando. O povo não suportava esta carga e, apesar da violência dos cobradores do Estado, começou a esconder o que lhe queriam tirar ou simplesmente abandonou o trabalho fixo por uma espécie de clandestinidade a que o poder não conseguia chegar.
Mas sem impostos não existia maneira de o Império garantir a fidelidade de um exército total, que variava entre os 400 mil e os 600 mil homens, consoante os perigos de uma querela doméstica ou, muitas vezes, de uma ameaça externa. Sem dinheiro, o exército romano acabou por se desfazer. Por um lado, os militares não defendiam as fronteiras. Por outro, as províncias não pagavam aos militares. Não levou muito tempo até o Império (do Ocidente) ficar definitivamente sem protecção e sem força e, quando caiu, caiu para sempre. Mas caiu por uma sucessão de erros políticos, não pela fatalidade de uma crise económica.
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