Sensibilidade e pragmatismo

Por Inês Teotónio Pereira , i-online 15 Dez 2012

No que diz respeito às questões da fome, não sabemos a resposta. E enquanto estamos ocupados a tentar resolvê-las ninguém janta

As crianças aliam duas características que bastariam para resolver os problemas do mundo: pragmatismo e sensibilidade. Quando lhes dizemos que devem comer tudo o que está no prato porque há meninos que nem têm um prato de sopa para matar a fome, é normal que uma criança responda com pragmatismo: “então podemos dar-lhe o meu jantar que eu não tenho fome” – qualquer dos meus filhos já apresentou esta solução. Eles não entendam porque é que são obrigados a comer o que não querem, a encher o bandulho, quando ainda por cima há crianças que precisam da comida deles. Não faz sentido. Até parece mal.
Perante isto, respondemos que aquilo que queríamos dizer com esta comparação é que quem tem um prato de comida à frente deve dar valor àquilo que tem, pois há quem não tenha. No fundo estamos a dizer que ele é um sortudo e por isso tem de comer e calar. Tudo bem, mas o que se faz em relação à criança que não tem o que comer?
E é aqui que mudamos de assunto. É aqui que dizemos “é complicado”. E quando nós respondemos aos nossos filhos “é complicado” é porque não sabemos a resposta ou sabemos mas não queremos dizer (este caso aplica--se com maior frequência às questões relacionadas com sexo).
No que diz respeito às questões da fome não sabemos a resposta. Não sabemos como resolver o problema da fome no mundo. Não fazemos a mínima ideia. Sabemos que há, sabemos que tudo aquilo que se produz dava para alimentar toda a gente e sabemos que combater a fome no mundo devia ser uma das prioridades da vida de todos nós.
Mas não temos tempo. É um facto. E além disso é complicado… Tirando o Banco Alimentar, que na verdade não chega ao mundo, não há muito mais por onde se possa ajudar, além disso não serei eu, uma pessoa insignificante, quem fará a diferença. E com o tempo passamos a viver bem com a fome no mundo, com a pobreza que vive ao nosso lado. Com o tempo, deixamos de ser sensíveis. A falta de pragmatismo matou a nossa sensibilidade.
O problema não é político, nem ideológico e muito menos religioso. Não há lados quando falamos na fome do mundo, nas escolas ou na casa ao lado da nossa. Mas a tentação de fazer destes problemas questões políticas é enorme: enquanto se discute a origem, os mecanismos, a logística, a teoria que está por detrás da tragédia, não se tem de resolver o problema. Não damos de comida a quem precisa porque estamos muito mais ocupados a tentar perceber porque é que as pessoas precisam de comida. Estamos muito mais empenhados nas soluções abstractas: será a luta de classes? Será a caridade? Será o capitalismo? Será tudo uma questão ambiental? Enquanto não decidirmos ninguém janta.
As crianças não são assim. Na cabeça delas a questão é só uma: está ali uma pessoa com fome e eu tenho comida, logo vou dar-lhe parte da minha comida. É simples. Elas já fazem isso na escola com o bolo que partilham com os amigos.
Na verdade, ser egoísta não é uma inevitabilidade. Podemos não ser. As crianças não são melhores pessoas que nós, e se calhar até são mais insensíveis. A diferença é que elas são pragmáticas e nós não. Achamos tudo muito complicado, difícil. E tantas vezes lhes dizemos que elas acabam por acreditar em nós. E crescem com a certeza de que o assunto é muito complicado, tal como os pais diziam.

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