A versão ao contrário da loja dos chineses
DN 2012-12-10
LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Ao dar 15 mil milhões de dólares por uma petrolífera canadiana, a China provou que para ela o planeta se está a transformar num supermercado, daqueles com bomba de gasolina. E melhor ainda se nas traseiras houver uma horta.
É a versão ao contrário da loja dos chineses, onde todo o mundo ia procurar um pouco de tudo a preço de saldo. Agora, são os chineses que andam pelo mundo todo a comprar e sem olhar aos cifrões.Desta vez foi a CNOOC a ficar com a Nexen, cujo atrativo são as areias betuminosas do oeste do Canadá, petróleo sujo que a tecnologia promete tornar rentável, sobretudo com o barril nos cem dólares.
Há uma lógica nestas idas dos chineses às prateleiras: interessa-lhes a energia, muitíssimo, as minas, muito, os terrenos agrícolas, bastante. Pelo meio fazem compras de impulso, como os cinemas AMC nos Estados Unidos, a Volvo na Suécia ou vinhos Grand Moueys de Bordéus, mas qualquer cliente de supermercado sabe que tal pecadilho é compreensível, em especial com a carteira recheada. É o caso das empresas chinesas, vindas de um país que em 2012 só(!) deve crescer 7,5%, mas que se habituou a um ritmo que faz duplicar a riqueza cada sete anos.
Foi uma compra feliz esta da Nexen por uma das empresas estatais chinesas, contrastando com o fracasso que foi a investida há dois anos, também no Canadá, da Sinochem face à Potash, a gigante dos fosfatos, matéria-prima para os fertilizantes.
Desde então, no carrinho de compras, os chineses já puseram embalagens alimentares tão diversas como três milhões de hectares no Congo para fabrico de óleo de palma, terrenos na província argentina do Rio Negro ou um contrato de 2,1 mil milhões de dólares por soja a cultivar na Bahia. Na secção das minas, compraram uma de urânio na Namíbia mas hesitam se esticam o braço para agarrar várias de ouro na África do Sul. Quanto a abastecer-se de combustível, depois da entrada na EDP, na mira está a dinamarquesa Vestas, líder das turbinas eólicas.
Houve críticas no Canadá por o Governo ter tolerado a venda e nos Estados Unidos há também quem se preocupe por a CNOOC se assenhorear de poços petrolíferos da Nexen. Aliás, como prova de que a sanha consumista chinesa incomoda, Barack Obama ainda no verão vetou a venda de quatro quintas de vento. A desculpa presidencial foi que estas ficavam demasiado perto de instalações militares.
Não admira que os americanos se preocupem, sobretudo com a corrida à energia. É que apesar de os Estados Unidos terem ainda alguns anos como primeira potência económica, a China já os ultra- passou como consumidor de energia, absorvendo 21% do total, em especial carvão, mas também petróleo. E para manterem a sua prosperidade, os chineses vão continuar a atestar o carro na tal bomba junto ao supermercado, até porque consomem em média bem menos do que os americanos, é só olhar para as emissões de carbono: sete toneladas por habitante contra 17.
Quanto à comida, basta lembrar que os chineses são um quarto da humanidade mas só têm 10% da terra arável. E como se sabe, não é boa ideia alguém entrar num supermercado se tiver fome. Também andamos por lá, de bolsos quase vazios.
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