O ataque às escolas com contrato de associação

Alexandre Homem Cristo, i-online 10 Dez 2012

Num país onde domina o pensamento de matriz socialista, o desprezo pelas escolas com contrato de associação é antigo e doutrinário

Numa excelente reportagem da TVI, a jornalista Ana Leal alertou para uma série de situações nas escolas com contrato de associação do Grupo GPS. Através da sua investigação, levantaram-se suspeitas de tráfico de influências. Denunciaram-se abusos aos direitos dos professores. Reportaram-se riscos para a segurança dos alunos. Fizeram-se acusações de selecção de alunos e de alteração administrativa das suas notas. E foram sugeridos usos indevidos de verbas obtidas através de financiamento público. Ninguém duvida que são acusações graves. E que se deve proceder a uma investigação profunda. De resto, essa está já a ser feita. Confrontado com as denúncias, no Verão passado, o Ministério solicitou a realização de auditorias. A primeira iniciou-se a 29 de Setembro e está agora a ser concluída. Em circunstâncias normais, o assunto ficava por aqui, aguardando-se pelas conclusões e pelas consequências que daí adviriam. Mas este não é um caso normal.
Num país onde domina o pensamento de matriz socialista, o desprezo pelas escolas com contrato de associação é antigo e doutrinário. Por isso, perante a reportagem de Ana Leal, a esquerda radical congratulou-se. Estava ali, à sua mercê, toda a argumentação que não conseguira nos relatórios sobre o custo por aluno, publicados pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério. Bastava agarrar no caso do Grupo GPS, que só tem 13 escolas com contrato de associação, e extrapolar para as dezenas de outras escolas com contrato de associação. Assim foi. Na sua narrativa propagandística, o caso do Grupo GPS transformou-se numa “história exemplar” de como funcionam todas estas escolas. A expressão é de Daniel Oliveira (Expresso online, 5.12.2012), digno representante deste pensamento. Ora, a generalização é, por definição, abusiva: ninguém questiona, por exemplo, a legitimidade de eleições num regime democrático porque, numa aldeia, foi violada uma urna de voto. Pouco importa. O manifesto contra os privados na educação estava lançado.
Escusado será dizer que o financiamento a operadores privados na rede pública não é uma invenção portuguesa. Que, em Portugal, essas escolas representam apenas 4% do total. Que, em quase todos os países europeus, essa percentagem é muito superior – 47% na Bélgica, 70% na Holanda, 13% na Dinamarca, 25% em Espanha, 21% em França, 13% na Hungria e 16% no Reino Unido (cf. Eurydice, Key Data on Education 2012). Toda essa contextualização é inútil perante o preconceito estatizante. Contudo, talvez valha a pena esclarecer dois pontos.
O primeiro é que, ao contrário do que a esquerda prefere acreditar, os alunos não são desviados para as escolas com contrato de associação. Se, ao seu lado, há uma escola estatal com vagas, isso significa que os pais e os alunos tiveram por onde escolher e preferiram a escola com contrato de associação. Essa escolha é, de resto, um bom indicador sobre a qualidade e a confiança no trabalho dessa escola. O segundo é que, do ponto de vista do sistema, o que a reportagem da TVI nos recorda é o mesmo com que, em outras áreas, já fomos confrontados: falta fiscalização. Não é normal que, com o nosso dinheiro, o Estado financie escolas (as estatais e as privadas) sem que exista um mecanismo de prestação de contas. A impunidade não pode reinar, como sempre aconteceu na gestão dos fundos públicos. Na educação, como em outras áreas. É isso que tem de mudar.
A lição é esta e é fácil de assimilar: atacar as escolas com contrato de associação é errar o alvo. É que, se as irregularidades do Grupo GPS são fáceis de sancionar e corrigir, a impunidade com que são geridos os dinheiros públicos continuará, mesmo que se acabe, como sonha a esquerda, com os privados na educação. Porque essa impunidade pode existir nos privados, mas existe sobretudo no próprio Estado. Sim, a lição é que precisamos de mais fiscalização na gestão dos dinheiros públicos. Nos privados, mas também no Estado.
Investigador

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António