Defensores da Constituição

Público, 14/12/2012

A Constituição da República Portuguesa garante o Estado social. Estabelece o direito à assistência material para aqueles involuntariamente em situação de desemprego. Garante a proteção universal da saúde. Assegura proteção especial no acesso ao primeiro emprego aos jovens. Firma a segurança económica a idosos e educação e cultura para todos. Determina que ninguém fique sem habitação. Não qualquer teto, note-se. O que assegura é habitação de dimensões adequadas, com condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade e privacidade.
É assim que, com incredulidade, se observa que todos os dias se praticam, no mínimo, três a dez mil inconstitucionalidades em Portugal: uma por cada noite que um sem-abrigo dorme ao relento. Mas há mais inconstitucionalidades. Por cada dia que um português não aufere qualquer rendimento, seja do trabalho que lhe é assegurado pela lei fundamental, seja de uma prestação social a que tem direito, existe inconstitucionalidade. E o que faz o Tribunal Constitucional? Ninguém o consultou sobre o assunto. A Presidência da República? Não tendo poder executivo, não pode tratar de cada caso concreto. O Governo? Não tem dinheiro. A Segurança Social? Pergunta candidamente: "Mas por que é que ele não se inscreveu? Primeiro tem de se inscrever..."
Mas, se os órgãos do Estado não defendem a Constituição, felizmente existe quem o faça. Quem são esses? São os reformados e pensionistas que discretamente ajudam os sem-abrigo, dando-lhes comida, roupa, dinheiro e, até, imagine-se, convidando-os para sua casa. Porquê? "Eu podia estar na situação dele!" São as Missionárias da Caridade que, às claras, fazem o mesmo que os reformados e pensionistas. São as Conferências de S. Vicente de Paulo. São os voluntários dos Bancos Alimentares Contra a Fome. São irmãos e irmãs, frades e freiras que, um pouco por todo o país, ajudam todos os inconstitucionais que podem amparar.
Há quem diga que estes atos, embora bondosos, não resolvem estruturalmente nada e, por isso, são inúteis. É verdade que estes esforços são insuficientes, mas não inúteis! Fazem a diferença entre a vida e a morte para os que os recebem. E também é verdade que não chegam a todos. Porquê? Porque os reformados e pensionistas, irmãos e irmãs, ao contrário do Estado, não podem ter deficits. Têm de manter a sua defesa da Constituição sustentável, já que não têm avozinhas ricas. Mas têm uma garantia, que nenhuma troika deu ao Estado português: a garantia da viúva de Sarepta. Enquanto derem, nada lhes faltará.

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