A economia

Público 2012-03-06  Pedro Lomba

A crise mundial não deixou em bom estado a reputação dos economistas que têm feito todos os dias o seu acto de contrição. Falharam; não conseguiram prever; confiaram em demasia nos seus próprios modelos; foram impotentes contra interesses e pressões. As explicações variam. Já agora, aconteceu o mesmo aos financeiros, aos advogados, aos consultores de riscos. Por prurido não se fala muito deles, mas não é por estarem inocentes da desgraça. O mais difícil é estabelecer o princípio e o fim da cadeia de responsabilidades.

Tudo isto torna natural, até por preguiça, que se repudie um pouco por todo o lado o dialecto dos novos economistas, sobretudo se eles estiverem no governo. Vítor Gaspar? É um tecnocrata obcecado por submeter a política às finanças e ao que agora chamam de "economês". Até na polémica com o ministro Álvaro Santos Pereira, não se pensa que Gaspar quer as verbas do QREN para ser ele também mais ou menos ministro da Economia. O que se diz é que Gaspar quer controlar aquelas verbas para ser o empecilho do costume. Nesta visão das coisas, não há um pingo de política em Gaspar, que age sempre como um taliban apolítico.

Não sou economista, nem partilho do optimismo da casta. Mas há qualquer coisa nesta fronda anti-económica em 2012, unindo sectores à esquerda e à direita, que neste momento me parece leviana e primária. Tal como a crise de 1983-85 fez de Ernâni Lopes uma figura nacional, secundarizando até o primeiro-ministro da altura, é normal que num período em que os cofres estão vazios o país faça contas à vida e se torne mais economicista. Em ditadura ou em democracia as coisas são como são.

Só que na fronda há mais do que isso. Olhando para trás e pensando como tem funcionado a democracia portuguesa, se há lacuna ou "crime" que manifestamente nos podem imputar é não termos pensado o suficiente em termos económicos. Desde o 25 de Abril que Portugal não tem excesso mas défice de economia no Estado, nos governos e na Administração. E nem a passagem de Cavaco Silva pelo Governo representou uma mudança deste estado de coisas. Fortalecendo por exemplo o poder reivindicativo da função pública, Cavaco Silva acabou por fazer no governo muito do oposto daquilo que o caracterizou enquanto economista: uma atenção particular ao papel dos grupos de interesses na economia pública. Não tivemos "economês" a mais. Tivemos, se quiserem e contra mim falo, "juridiquês" a mais. O desprezo e o desconhecimento da maioria dos nossos governantes pela economia estão à vista. Criaram um regime impossível, perdulário e absurdo.

Nem se oponha economia à política. Economia é sempre política. Pelo menos desde o século XVIII que ganhou esse estatuto. Nas democracias do século XX mais ainda: a economia é indispensável e central para a democracia plena porque só os feitos da economia permitem sustentar uma massa política que antes nem sequer tinha direito de existir. Sem economias sólidas e pujantes, não é possível tratar de toda a gente, como prometeram as democracias. Daí que a ameaça do colapso económico seja para o Ocidente um perigo para a democracia como a conhecemos. Eis uma razão para a economia ter adquirido a importância que tem.

Por isso do que menos precisamos agora é deste discurso tão transparentemente venenoso contra a economia e o "economês". Os economistas saíram chamuscados da crise? Sim, como outros. Mas não entreguem isto a um tipo político formado nas lutas culturais dos anos 60 e 70, porque os tempos são outros.

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