A política não se "limpa" assim

Público 20120323
Vasco Pulido Valente

Já não bastava o "caso Freeport" e o "caso Face Oculta", a investigação judicial do Governo Sócrates continua. E pior: aumenta. Não espanta que o cidadão comum tenha sido contra o Governo de Sócrates - que não se distinguiu pela sensatez, pela tolerância ou pela lisura; e que levou o país para a crise mais séria por que os portugueses passaram desde 1975. Como não espanta que as dores do presente (que são muitas para muita gente) não deixem de alimentar uma execração profunda pelo antigo primeiro-ministro e pela sua gente. Mas nada explica que a Procuradoria-Geral da República e os tribunais tomem sobre si o encargo de fazer justiça em matéria política: um serviço que obviamente lhes não compete e que, levado ao extremo, pode alterar o equilíbrio constitucional da República.

Em poucos dias soubemos pelos jornais que a Procuradoria-Geral da República se prepara para abrir um inquérito-crime a 14 ministros de Sócrates por peculato e abuso de confiança, "em seguimento" a uma queixa da Associação Sindical de Juízes. Soubemos também ontem, ou anteontem, que a sra. dra. Cândida de Almeida declarou na TVI que foi entregue (presumivelmente no DCIAP) uma segunda queixa contra o próprio Sócrates, por favorecimento pessoal e falsificação de documentos, ainda por causa da famigerada licenciatura do homem. E, para acabar (pelo menos, por enquanto) uma terceira - esta anónima - contra o ex-ministro Manuel Pinho, por suspeita de conceder à EDP "rendas" sem justificação económica ou benefício para o Estado. Estamos no princípio e é um péssimo princípio.

No caso dos 14 ministros, os factos que se alegam parecem ao leigo de pouca ou nenhuma gravidade: uso indevido de cartões de crédito, de telefones de uso pessoal, de despesas de representação e de subsídios de residência. Uma insignificância no mar de dívidas que Sócrates nos legou. O mesmo vale para a existência ou inexistência da licenciatura de um indivíduo morto para a vida pública portuguesa. No meio de uma ou duas coisas hipoteticamente graves, o que fica é um inconcebível ressentimento e uma inconfundível vontade de retribuição. Ora, se o país por acaso alimenta esses duvidosos sentimentos, a Assembleia da República (que o representa) deve falar por ele e o braço judicial, em teoria, não se deve mexer. Sobretudo quando se arrisca a arruinar, sem um bom motivo, uma vida limpa ou só com alguns pecados veniais, cometidos por ignorância ou inadvertência. A política não se "limpa" assim

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