Marcelo e as mulheres

Sol 26 de Março, 2012  José António Saraiva

Um destes domingos, no seu costumeiro programa na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa falou do papel da mulher.
Ou, mais precisamente, das mudanças verificadas nesse papel nas últimas décadas.
Segundo Marcelo, a situação da mulher tem melhorado bastante. Hoje as mulheres são mais independentes, têm maior presença no mercado de trabalho, formam-se em maior número do que os homens nas universidades e são melhores alunas, ascendem com mais frequência a lugares de administração, etc., etc.
Tudo isto é verdade e tudo isto é estatístico. E, além disso, é politicamente correcto dizê-lo. Da direita à esquerda não há político que não faça hoje este discurso sobre as mulheres. Mas este fenómeno só teve aspectos positivos? Não há rosa que não tenha espinhos. Todas as medalhas têm um verso e um reverso.
A progressiva emancipação da mulher na sociedade ocidental, sendo naturalmente reconfortante para as mulheres, tem – como tudo – os seus custos. As mulheres casam hoje muito mais tarde do que há 20 ou 30 anos e têm menos filhos, a família perdeu estabilidade, os divórcios aumentaram em flecha, há muitas crianças a sofrer com a separação dos pais, há menos recém-nascidos amamentados nos primeiros meses, os bebés passam os dias longe de casa metidos em depósitos – as creches – onde apanham imensas doenças, etc.
Tudo isto aconteceu em simultâneo com o processo de emancipação das mulheres – o que leva muita gente a desejar que a História volte para trás. Só que isso não acontece. O tempo que passou é passado – não volta. E quando volta é sempre sob outra forma.
Em duas gerações, a família mudou radicalmente. Quando eu era criança, a maior parte dos meus amigos tinha a mãe em casa. As mães eram domésticas, donas de casa, como se dizia, e asseguravam a gestão familiar. Quando os meus amigos chegavam da escola, a presença das mães em casa para os receber dava-lhes conforto e segurança.
A minha família era diferente – e, por isso, às vezes, eu invejava-os. O meu pai vivia no estrangeiro e a minha mãe era professora, pelo que eu não tinha em casa a mãe à espera. Mas tínhamos empregada (na altura dizia-se ‘criada’) que me assegurava a mim e aos meus irmãos a retaguarda. Abria-nos a porta quando voltámos das aulas, fazia-nos as refeições, ia às compras. E isso dava-nos algum equilíbrio. A casa funcionava o dia todo, nós sabíamos que lá havia sempre gente.
Esse mundo acabou. As casas das famílias da classe média estão hoje vazias durante todo o dia. Os miúdos acabam a escola e não podem ir para casa porque não há lá ninguém. Têm de ir para actividades extra-escolares, onde os pais – exaustos e sem paciência – os vão buscar ao fim do dia, esperando que os filhos não exijam muito deles.
É evidente que esta família não interessa a ninguém. O pai não tem pachorra para tratar da casa nem dos filhos – na família tradicional também não tinha –, pelo que a mãe acaba quase sempre por ter de acumular o trabalho no emprego com o trabalho em casa, sentindo-se uma escrava do lar e apetecendo-lhe, por vezes, bater com a porta. E este modelo de família também não interessa aos filhos, que passam o dia todo fora de casa e, quando vêem os pais à noite, estes já estão sem paciência para os aturar.
Conheci pessoalmente Maria Lamas, que foi uma das grandes referências da luta das mulheres portuguesas pela igualdade. Ela defendia intransigentemente os direitos do seu género. E no final da vida dizia amargamente que era uma violência as mulheres trabalharem fora de casa – porque continuavam a trabalhar o mesmo em casa, acabando por trabalhar o dobro.
As mulheres, segundo ela, eram ‘exploradas a dobrar’.
É verdade que, actualmente, os homens ajudam mais nas tarefas domésticas. Nem poderia ser de outra maneira. Mas, se não formos cínicos, temos de admitir que isso tem sido quase sempre mais um remendo do que uma solução. Nos primeiros tempos de casados alguns homens ajudam, mas com o passar do tempo regressa a divisão ancestral do trabalho doméstico – ou seja, a mulher a ocupar-se dos filhos e das tarefas caseiras tradicionais. E, quando isso não acontece – quando a mulher não aceita esse encargo –, o mais habitual é a separação do casal.
Quando as mulheres começam a olhar a vida em casa como uma escravatura, é natural que procurem alternativas fora da família. E elas agora existem. Antes, as mulheres casadas ficavam fechadas em casa e não conheciam ninguém. Mas hoje conhecem muita gente, privam no emprego com muitos homens, têm muitas oportunidades, têm mais independência financeira, têm termos de comparação em relação aos maridos – e, portanto, quando uma mulher começa a ver o marido como um chato, como um peso que não ajuda na lida da casa e a quem, ainda por cima, tem de lavar a roupa e fazer a comida, é fácil projectar os seus sonhos num companheiro de emprego.
E daí a tomá-lo como amante é um pequeno passo. A casa e o marido são o lado aborrecido da vida, o amante é uma fonte de prazer.
Partindo do princípio de que fora da família é fácil encontrar o prazer efémero mas muito difícil construir a felicidade, é então necessário procurar no Ocidente um novo equilíbrio da família.
Esta situação que agora se vive não é nada.
Não é bom as mulheres casarem mais tarde. Não é bom as mulheres terem cada vez menos filhos. Não é bom os bebés serem depositados em armazéns. Não é bom as crianças não terem ninguém em casa durante todo o dia e serem forçadas a andar de actividade em actividade para encher o tempo. Nada disto é bom.
É indispensável uma reequação da família que permita aos dois membros do casal (mulheres e homens) realizarem-se – mas que possibilite, também, que as mulheres tenham mais filhos (e os tenham mais cedo), que as crianças beneficiem de um maior apoio em casa, que os membros da família não andem cada um para seu lado.
Quando se fala no papel das mulheres na sociedade do futuro é preciso pensar nisto tudo. Não bastam juízos superficiais ou politicamente correctos. Enquanto não identificarmos bem os problemas nunca os solucionaremos.
Finalmente, é preciso pensar noutra coisa. A diminuição do ritmo de crescimento no Ocidente, que é irreversível porque a indústria e muitos serviços estão a transferir-se para outros lugares do Globo, vai levar a que nunca mais haja emprego para toda a gente.
É muito provável que, no futuro, em muitas famílias, só um dos membros do casal tenha emprego fixo fora de casa; o outro fará pequenos trabalhos por conta própria, deitará a mão a isto e àquilo, inventará negócios, mas não terá propriamente um emprego. E isso vai mudar muito o panorama das famílias.
A emancipação da mulher não é, pois, um tema do futuro – é já um tema do passado. A questão que hoje se coloca é saber como irá a sociedade ocidental resolver os problemas resultantes do ‘progresso’, de que a emancipação da mulher foi um dos aspectos marcantes.
No pressuposto de que, sem famílias equilibradas, será impossível construir sociedades estáveis.
jas@sol.pt

Comentários

Anónimo disse…
Deixei de trabalhar fora de casa com um filho de 6 outro de 9 anos. Perdi todos os direitos do trabalho. Mas ganhei uns filhos que passaram ao lado da droga, foram bons estudantes, são muito bem formados (caráter) e ambos mestrados. Hoje são uns pais muito ocupados mas que, um com 4 e outro só com um filhos, têm o maior prazer em estar com eles, brincar, passear, ter os amigos deles lá em casa como eles tiveram. Vale a pena apertar o orçamento, comprar apenas o necessário, de marcas portuguesas, para poder ter, no futuro, filhos que são casos de sucesso.
Anónimo disse…
Finalmente leio um artigo que não vai na costumeira onda de achar k hoje é k a mulher está bem. Quanto a mim o slogan da emancipação da mulher não foi mais k um "engodo" para a escravizar mais. A mulher foi ludibriada com a falsa ideia de independência, de afirmação... e não sei que mais. Quem teve a coragem de valorizar a mulher
«dona de "sua" casa», que acumulava funções de gestora (às x c/pouco dinheiro),cozinheira, lavadeira,engomadeira,educadora, enfermeira,costureira,e tantas mais? Quem se lembrou de contabilizar o que essa mulher ganhava na medida em que não pagava esses trabalhos a outrém? Para muitos homens machistas a mulher estava em casa sem fazer nada, enquanto eles tinham de trazer o dinheiro para casa. Tive um dia a ousadia de perguntar ao Dr. Sousa Franco,após uma conferência que ele fez num ciclo de conferências sobre a família, "para quando um salário para a dona de casa, que lhe permita fazer descontos para um dia alcançar uma reforma?" à semelhança do que se estava a projectar para outros paises da Europa, e foi-me respondido que para isso se tinham de queimar pelo menos duas gerações. Não admira, portanto, que a mulher se sinta mais valorizada trabalhando fora de casa, ainda que aquilo k ganha não chegue para cobrir as despesas que essa situação acarreta (transportes, maior gasto em vestuário e calçado, infantários, creches, costureira, lavandaria...) e ainda por cima sobrecarga de trabalho pois, como diria a Maria Lamas passou a acrescentar esse trabalho às tarefas que continua a desempenhar quando chega a casa, cansada, sem paciência e disponibilidade para ouvir os filhos que quer despachar o mais rapidamente possível para a cama. E se por causa da realização pessoal e profissional tem de colocar os filhos nos berçários, nas creches, nos infantários onde a criança vai estabelecer as relações objectais primeiras com estranhos, não admira k ao necessitarem os pais da sua presença e do seu carinho, os coloquem nos lares (nome pomposo dado aos asilos)onde se sentem abandonados como os seus filhos se sentiram quando necessitavam deles. Para quando uma politica que valorize a familia, e o papel educativo da mãe, proporcionando trabalho em part time para ter tempo para se dedicar a outra tarefa que não tem tanto a ver com valor fiduciário mas com os afectos, o amor ? Muito obrigada pelo seu artigo. Oxalá que seja bem lido e compreendido e não lhe chamem "conservador" e "retrógado" como o têm feito a respeito de opiniões idênticas, retirando palavras do contexto para manipular a mensagem expressa.
Maria Arlete Silva

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