As pessoas não querem andar de bus? A gente obriga
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Terça feira, 6 de Março de 2012
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Para o europeu comedor de alfaces e condutor de carros híbridos, tudo é científico e tudo tem uma resolução científica óbvia. E o pior é que este ambientalismo científico acaba por namorar uma atitude autoritária e intrinsecamente desumana. É a vidinha: quem negocia com variáveis tão nobres como Planeta e Humanidade acaba sempre por desprezar as pessoas em concreto. Há dias, contaram-me que David Attenborough critica os casais ingleses que têm muitos filhos. Porquê? Os filhos-humanos criam uma enorme pegada ecológica, e isso prejudica os filhos-da-bicharada. Pois claro, os bebés humanos são um empecilho para os bebés tartaruga. Só um insensível é que não compreende esta sensibilidade apuradíssima de Attenborough.
Mas nada bate um bom Attenborough germânico. A coisa ganha outro peso. Nunca esquecerei uma entrevista – cómica e assustadora – que li num P2 do Público (Outubro de 2008). O entrevistado era Hans Joachim Schellnhuber, director do Instituto Potsdam e um exemplar perfeito deste autismo científico a pender para o autoritário. Às tantas, o nosso génio diz assim: "estou seguro de que em Lisboa é possível aumentar a eficiência energética, por exemplo alterando-se os comportamentos nos transportes. Há pessoas que insistem em ficar duas horas em filas de trânsito, apenas para ter o seu próprio carro". Repare-se no desprezo que o génio tem por esses seres menores, esses leprosos que usam o seu carro em vez dos transportes. O desprezo pela liberdade individual salta à vista. Na mundividência de Schellnhuber, as pessoas têm de ser forçadas a andar de autocarro (híbrido, claro). Como ainda parece mal usar a força para este benemérito fim, Schellnhuber diz que é tudo uma questão de "educação pública e de média". Ou seja, as escolas e os média têm de fazer a propaganda apocalíptica do costume, a fim de forçar as pessoas a mudar de comportamentos. Porque daqui a 300 anos o gelo da Gronelândia pode derreter.
Como se vê, o velho desejo de controlar a vida das pessoas concretas em nome da Humanidade está bem vivo neste ambientalismo musculado. E, verdade seja dita, esta boa gente só negocia mentalmente com o conceito de Humanidade. Não fazem a coisa por menos. Olhe-se, por exemplo, para a solução mágica de Schellnhuber: cobrir os desertos do norte de África com painéis solares; segundo o nosso amigo, isto garantiria energia gratuita para toda a gente, para toda a Humanidade. As coisas são tão simples no estirador da utopia, não é verdade? Schellnhuber não quer saber do inferno logístico que esse gigantesco painel solar representaria. Os pormenores económicos, políticos e até militares desta operação faraónica são desprezados com um denodo mui científico. É natural: alguém que tem a pretensão de resolver a questão energética de toda a Humanidade não se prende com pormenores. Amar a humanidade já dá muito trabalho.
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