Portugal dá a volta

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2012-03-05
A falta de relatórios da Fundação Richard Zwentzerg (FRZ) tem gerado inquietação. A instituição dedicada aos estudos lusitanos continuou as suas actividades, mas desde Junho de 2010 mantém silêncio, sem publicar os textos, que só são acessíveis através do DN.
Na entrevista de apresentação do último título, o actual presidente da FRZ, o milionário guatemalteco Oskar Papadiván, parecia quase aliviado. "A falta de intervenção da fundação em momento tão difícil da vida portuguesa deveu-se a uma clivagem interna na nossa comissão científica", explicou. "Felizmente está ultrapassada."
"Quero dizer que a maioria do grupo nunca duvidou de que o ajustamento da economia e sociedade portuguesas teria sucesso", afirmou Papadiván. "Aliás, quisemos publicar este resultado há um ano, meses antes do pedido de ajuda. Mas um pequeno número dos nossos membros tinha hesitações fundamentadas que não podíamos ignorar. Hoje, o consenso regressou e apresentamos com confiança estas conclusões."
O relatório afirma que se vive o momento mais negro e incerto da crise. "Foram muitos erros durante muito tempo. São inevitáveis meses de sofrimento." Apesar disso, é já evidente que haverá uma recuperação sólida e equilibrada da conjuntura. "Não será fácil, mas Portugal voltará ao equilíbrio."
"As alternativas a considerar na situação portuguesa", diz adiante, "não estão entre seguir a miséria grega ou o sucesso irlandês, mas entre copiar os desastres de 1834 e 1910 ou os êxitos de 1978 e 1983. Em todos havia grave crise, mas as revoluções liberal e republicana mergulharam o País em décadas de caos, enquanto os acordos do FMI conseguiram aprofundar a democracia e o progresso".
Hoje, o sinal mais promissor do sucesso é a calma social. "A serenidade é uma condição decisiva para a recuperação e, ao contrário da Grécia e até da Itália e da Espanha, Portugal e Irlanda têm-na. Apesar da natural indignação, dos esforços compreensíveis de forças de agitação e dos sucessivos avisos de revoltas por intelectuais, os portugueses mantêm-se estoicamente pacíficos. O sofrimento é muito, mas as pessoas e os grupos compreendem que nada têm a ganhar com protestos e distúrbios. É preciso trabalhar, poupar, encontrar novas alternativas." O texto chega mesmo a teorizar: "As pessoas não se revoltam quando perdem muito, mas quando nada têm a perder. Os lusitanos sabem que a recusa aos sacrifícios e os protestos paralisantes só aumentariam ainda mais o sofrimento."
O tom optimista do texto surpreende face ao cepticismo do capítulo relativo às políticas. A Fundação desconfia da capacidade do Governo em cumprir o prometido. "Os grupos de pressão têm as suas influências no PSD e no CDS, como tinham no PS. Conseguir eliminar o gigantismo do aparelho e a obsessão regulamentar é um mito", garante. A timidez das medidas já tomadas mostra-o à evidência: "Nas reformas estruturais vê-se pouco e intui-se desorientação, aselhice, ignorância. O Estado tem feito algum jejum, mas não muda hábitos nem leis. Pior, sem distinguir as críticas sérias e justificadas das queixas interesseiras e ciumentas, o Governo faz bandeira de tolices (redução de feriados), meias-medidas (lei das rendas) ou velhas ideias (programas escolares)."
Como pode então a FRZ assegurar o êxito? Por confiança na população. "As empresas portuguesas vivem dificuldades há dez anos e começaram a ajustar-se à nova situação logo em 2008, ao contrário do aparelho estatal e de grupos de pressão, que parecem ainda mal ter percebido a situação. Basta que as imposições do memorando consigam parar os erros e aliviar os estrangulamentos fiscal e regulamentar das empresas, o qual tem crescido sucessivamente nos últimos anos, para a recuperação ter êxito."
O texto justifica: "Este foi sempre o segredo do sucesso português ao longo dos séculos. Ao lado de uma elite pedante e parasita existe um povo espantoso que consegue dar a volta. Ao contrário das desgraças de 1834 e 1910, os programas externos de 1978 e 1983 aliviaram o povo um pouco do peso dos parasitas. Isso chegou."

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