A Igreja esteve sempre em crise

Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Sexta feira, 16 de março de 2012
A história da crise da Igreja faz lembrar outras histórias. A história da crise da democracia, por exemplo. As democracias estão sempre em crise existencial. Faz parte. Ou então também podemos falar da crise da América. A história do declínio dos EUA já era uma constante no século XX. Portanto, quando me vêm falar na crise da Igreja, eu recordo sempre um facto que me está cravado na memória: de todas as manifs que Lisboa viu nos últimos anos, a mais esmagadora foi a missa de Ratzinger. O Público falava em 100 mil pessoas, e o i em 200 mil. Mas eram mais de 200 mil. Igreja em crise? Bom, se está em crise, tenho a dizer uma coisa: não gostava de ver uma Igreja sem crises; esta Igreja fraquinha já tem força suficiente.
Por norma, a conversa começa na ausência de fé, quer nas elites, quer no povão. Mas Eliot, nos anos 30, já se queixava do mesmo . E, um século antes, Kierkegaard começou Temor e Tremor da seguinte forma: "ninguém hoje se detém na fé (...) passarei, sem dúvida, por néscio se me ocorrer perguntar para onde por tal rumo se caminha". Isto quer dizer que o nosso ar do tempo ateu é uma velharia com, pelo menos, século e meio. Depois, a narrativa da crise é alimentada pela devassidão de alguns padres e bispos. Outra coisa que também não é novidade. Se recuarmos no tempo, vamos encontrar os Bórgia. E, se recuarmos ainda mais, encontramos as críticas de Dante à podridão de uma Igreja em crise moral, uma Igreja já controlada pelos Bórgia da Idade Média.  
Em Monarchia, Dante contestou o poder secular (isto é, político) do Papado. O florentino dizia que o trabalho da Igreja estava na esfera do poder espiritual e, por isso, os Papas abraçavam o pecado a partir do momento em que tocavam no poder secular e nas delícias da luxúria e da riqueza material . O poder secular devia ser da exclusiva responsabilidade do Imperador (Sacro Império Romano-Germânico), que recebia a sua autoridade directamente de Deus, sem necessitar da intervenção de Roma. As duas jurisdições deviam estar bem separadas. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus, não é verdade? Pois, é verdade. Mas, no tempo de Dante, este axioma moderno ainda não era um axioma, porque os Papas assumiam o papel de imperadores de trono e de cama. Bonifácio VIII, por exemplo, foi tão desastroso que conseguiu produzir o grande cisma do Ocidente: a deslocação do Papado para França (Avinhão, 1309-1377). Crise da Igreja? Ao pé dos Bonifácio e dos Bórgias, as crises da Igreja de hoje parecem brincadeira de meninos.  

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António