A regra do palpite

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2012-03-12
Esta crise dura dez anos", "Portugal sairá do euro", "este ano o desemprego chega aos 16%". Os nossos jornais estão cheios de previsões destas, todas certas e seguras. Todas levantam a mesma questão: como é que sabem? Quando especialistas e organizações respeitadas têm dúvidas e repetem que a situação é nebulosa, quando os seus números indicativos são ultrapassados pela realidade, o que dá aos amadores tanta convicção? E porque razão insistem os jornais na recolha de palpites destes, de origens mais variadas, como se fosse um contributo válido?
A previsão económica é uma tarefa muito difícil e complexa, mas segue alguns princípios simples, infelizmente descurados. O primeiro é que a vida das empresas e dos negócios individuais é muito incerta. A única garantia económica é a falta dela. O segundo é que, apesar disso, as séries agregadas mostram forte persistência.
Esta aparente contradição é paralela à vida natural. No campo os animais e plantas, como os projectos no mercado, suportam existências atribuladas, imprevisíveis, muitas vezes efémeras. Mas isso não impede a paisagem selvagem de permanecer semelhante a si mesma ao longo dos anos. Uma falência é tão traumática como a queda de uma árvore e uma crise tão devastadora como um fogo florestal. Mas economia e natureza sempre renascem.
É nessa persistência natural das séries agregadas que se baseiam todos os modelos científicos de previsão económica. A estatística só capta o previsível mas felizmente, ao ritmo trimestral e anual, as variáveis económicas revelam elevada inércia. Além disso há choques sucessivos e continua a ser impossível antecipar com certeza fogos, secas e cheias. Assim as estimativas de especialistas, captando só a inércia latente, nunca acertam, mas raramente falham muito.
Esta incapacidade preditiva cria muita troça entre os leigos, que a tomam como fraqueza científica. Ciência séria é a Física, pois se sabe com mais rigor os efeitos da queda de um tijolo que a da bolsa, se compreende melhor rotação de planetas que flutuações de preços. Mas não será normal que em assuntos simples, como tijolos ou planetas, haja respostas rigorosas? É nas coisas difíceis que surge a incerteza. O médico também classifica a doença sem antecipar súbitos agravamentos ou melhorias.
Embora no complexo mundo económico as certezas sejam poucas, é fácil ver como são tolos muitos dos palpites mediáticos. O quadro económico de um país não é antecipável a cinco anos, quanto mais a dez. A permanência no euro depende menos da situação económica que da vontade política, onde não há inércia que nos valha. Dado que o desemprego disparou nos últimos meses, é mais provável que pare ou desça do que continue.
Para compreender este último ponto é preciso dividir as variáveis económicas em dois grupos. Algumas, como desemprego e inflação, flutuam com o ciclo, enquanto outras, como salários ou produto, crescem com a tendência. Nas variáveis cíclicas há, não trajecto persistente, mas retorno à média, que só choques muito fortes alteram.
A previsão económica é tarefa difícil. Por isso muitos preferem o palpite. Quanto a estes, o melhor seria evitá-los. Mas a haver, também existe uma regra simples: dizer sempre que vai correr mal. Isso não falha, primeiro porque as pessoas acreditam, e depois porque, se errar, já ninguém se lembra. Pelo contrário, quem faz antevisão optimista não só não é credível, mas todos vão censurar impiedosamente ao falhar.
Vê-se bem que os nossos comentadores seguem religiosamente esta regra, na imprensa como nas conversas de café. Em qualquer situação, dominam os cenários negros. Quando as coisas correm bem, diz-se ser sol de pouca dura. Quando há crise, isso não só era inevitável, mas acabará pior do que se julga.
O que surpreende aqui é que, depois de decretarem as piores catástrofes, os analistas dêem uma garfada, desliguem a televisão ou vão para a cama, como se afinal o tal horror não viesse e tudo fosse regressar ao normal. E na economia, como na floresta, em geral regressa.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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