«Liga dos Últimos»

João Pereira Coutinho
jpcoutinho@jpcoutinho.com
Expresso, 20081004

POR QUE MOTIVO as pessoas se indignam com o programa «O Momento da Verdade» mas não levantam uma pálpebra com a «Liga dos Últimos»? Opinião pessoal: se existe «prostituição» na televisão portuguesa, para usar as imortais palavras do presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ela não está no programa da SIC. Está inteiramente na RTP, disfarçada em comédia «realista», o que torna o caso mais subtil e, talvez por isso, mais insidioso. Explico: a «Liga dos Últimos» começou com uma ideia simpática, ou seja, levar o Portugal «profundo» à casa da classe média urbana. E com o futebol amador a servir de pretexto: visitando clubes integralmente constituídos por coxos, a «Liga» era um retrato do Portugal rural, ou suburbano, que vai desaparecendo dos nossos radares modernos. O Portugal da tasca, do campo pelado e do zé-povinho. Mas, com o tempo, a coisa foi-se transformando em exercício desagradável de exploração da miséria de terceiros. Imagino os procedimentos: a equipa da «Liga» ruma para uma terra qualquer; uma vez chegada ao local, questiona os nativos sobre o «idiota da aldeia», figura clássica de qualquer romance que se preze. E o idiota lá aparece, normalmente embalado pela demência, ou pelo alcoolismo, ou por ambos, disposto a macaquear-se para o auditório. A coisa consiste numa versão nacional do filme de Tod Browning, mas sem a humanidade que Tod Browning empresta ao seu Freaks: a «Liga» é uma feira de aberrações gratuita, a que apenas falta a mulher barbuda. Se este espectáculo, que é pago com dinheiro dos contribuintes, não incomoda a Entidade Reguladora, com que autoridade moral vem ela vergastar uma estação privada?

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