Em defesa da América

Miguel Monjardino
Expresso, 081004
miguelmonjardino@gmail.com

Parte da sociedade americana desconfia e despreza os seus líderes políticos, sejam democratas ou republicanos
A história diz-nos que os EUA são o país mais bem sucedido da história. As últimas semanas têm levado muita gente a dizer-nos que os EUA estão em declínio e que o século XXI será muitas coisas mas não será influenciado de uma forma decisiva por Washington. Será verdade? Duvido.
As últimas semanas tornaram bastante mais transparentes os problemas internos dos EUA e os seus desafios externos. Os problemas e os desafios são reais e a sua solução ou gestão certamente exigentes. Neste contexto, apostar no declínio dos EUA é extremamente popular. A aposta ignora o enorme potencial, energia e optimismo dos americanos em relação ao seu país e ao seu papel no mundo. Mas antes de chegar à aposta que me interessa, é crucial prestar atenção aos problemas internos e aos desafios externos.
Começando pelos primeiros. O intenso debate sobre a legislação para evitar o colapso do sistema financeiro e da economia americana mostra a dimensão da revolta e desconfiança de importantes sectores da sociedade americana em relação às suas lideranças políticas. Este ponto tem sido pouco acentuado entre nós.
Quando a Câmara dos Representantes chumbou a legislação inicialmente submetida pelo secretário do Tesouro Hank Paulson ao Congresso no início da semana, concentrámos toda a nossa atenção e perplexidade na revolta dos republicanos contra George W. Bush. Esquecemo-nos de que os democratas têm a maioria absoluta na Câmara dos Representantes e que 95 dos seus representantes também votaram contra a legislação negociada, aprovada e anunciada por Nancy Pelosi, líder da maioria democrata, e Barney Frank, presidente do Comité dos Serviços Financeiros.
O que é que isto mostra? Mostra que, para lá de uma revolta republicana contra George W. Bush - que é real -, há uma enorme desconfiança e desprezo de largos sectores da sociedade americana em relação aos seus líderes políticos democratas e republicanos. Tal como muitos bancos e empresas, Washington está sem capital político e sem crédito.
Do ponto de vista orçamental e fiscal, a enorme maioria dos congressistas democratas e republicanos e a Administração W. Bush têm sido totalmente irresponsáveis. Os compromissos orçamentais assumidos a nível da segurança social e saúde e o nível de gastos governamentais são insustentáveis e, no caso de não serem rectificados nos próximos anos por políticos corajosos e prudentes, terão consequências severas para as próximas gerações. Numa altura em que tanto se fala do falhanço dos mercados, é bom relembrar que Washington está totalmente fora de controlo do ponto de vista orçamental e fiscal há muito tempo.
Em termos externos, o principal desafio de Washington será mudar a percepção que os líderes políticos estrangeiros e as suas sociedades têm dos EUA. Esta percepção tende hoje em dia a ser bastante negativa. Uma das grandes acusações que são feitas a George W. Bush é ter transformado os EUA numa “nação perigosa” e ideológica. Do ponto de vista histórico a acusação não faz sentido. Como John Quincy Adams, o sexto Presidente dos EUA, escreveu em 1817, a Europa via a América como “um membro muito perigoso da sociedade das nações”. Um olhar para os discursos de Adams mostra também que os EUA foram desde a sua fundação um país extremamente ideológico. Ao contrário do que as pessoas pensam, dizem e escrevem, a Administração W. Bush não é uma aberração na história política americana.
O que é novo e significativo do ponto de vista estratégico é a dimensão da oposição e ressentimento em relação aos EUA e às suas políticas. Esta oposição e ressentimento são hoje em dia generalizadas e são também o grande acontecimento político da geração que cresceu à sombra do 11 de Setembro. Como Geoffrey Wheatcroft escreveu no ‘International Herald Tribune’ no início de Setembro, os EUA “não são temidos nem respeitados”. Do ponto de vista da credibilidade política, ideológica e financeira, as últimas semanas foram péssimas para os EUA. Os próximos anos prometem dificuldades. Nada será como dantes, dizem-nos.
É provável. A política internacional, felizmente, não é uma coisa estática. A ascensão e declínio dos impérios, cidades-estado e países é uma coisa natural. O declínio dos EUA é algo que tem vindo a ser regularmente previsto e intensamente desejado nas últimas décadas. As previsões de declínio ignoram os tendões e os músculos do país - a pujança demográfica da América, a dimensão do seu mercado interno, a sua enorme produtividade e capacidade de inovação, a qualidade das suas universidades e instituições de investigação científica, a capacidade empreendedora dos americanos e a sua enorme determinação perante dificuldades e desafios. Nos dias que correm, apostar publicamente a favor dos EUA não é fácil. Pela parte que me toca, estou disposto a fazê-lo. A América continua a ter tudo o que é necessário para ter um futuro brilhante. Aceito apostas. Haverá interessados?
James Bond Stockdale
O vice-almirante James Bond Stockdale (1923-2005) foi um candidato improvável à vice-presidência dos EUA em 1992. “Quem sou eu? O que é que eu faço aqui?”, perguntou ele no início do debate com Al Gore e Dan Quayle perante a incompreensão geral. Do ponto de vista político, o debate foi um desastre para Stockdale, que rapidamente foi esquecido. Stockdale merece ser relembrado na semana do debate vice-presidencial entre Sarah Palin e Joseph Biden pela sua extraordinária carreira militar e pela sua liderança dos prisioneiros de guerra americanos no Vietname entre 1965 e 1973. O seu livro ‘Confessions of a Philosophical Fighter Pilot’ (Stanford, Califórnia: Hoover Institution Press, 1995) é um grande livro sobre liderança e sobrevivência em situações extremas.

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